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Pesquisa da USP analisa lendas urbanas que correm na internet
Fevereiro 14, 2008
As lendas urbanas divulgadas em mensagens na Internet são narrativas que
articulam em enredos preocupações humanas atemporais, e em alguns casos
constituem reciclagens de lendas muito antigas do imaginário popular que ganham
uma nova roupagem para se tornarem contemporâneas. Atualizado e com a circulação
potencializada a partir do surgimento da rede mundial, o gênero se caracteriza
por abordar temas que fazem referência a elementos do cotidiano da comunidade
onde circulam, trazendo mensagens de alerta, histórias supostamente reais que
podem gerar pânico no leitor, rumores e casos sobrenaturais.
Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, uma
pesquisa analisa esse fenômeno dos tempos atuais. “Apesar de ser um gênero cuja
delimitação não é tão definida, podemos identificar na lenda urbana algumas
características que costumam estar presentes: a história é contada como
verdadeira, em terceira pessoa (‘aconteceu com um amigo de um conhecido’), de
origem apócrifa (sem um autor claro), envolve aspectos da vida cotidiana e dá
referências específicas (data, localização e nomes), obtendo assim maior
credibilidade”, explica o professor de línguas Carlos Renato Lopes, autor da
tese de doutorado Lendas urbanas na Internet: entre a ordem do discurso e o
acontecimento enunciativo. Preocupações que mexem com a maioria das pessoas são
despertadas, como o medo da contaminação, da violência, do desconhecido e do
estrangeiro (o “outro”).
Além disso, muitas destas narrativas são variações de histórias parecidas,
encontradas até mesmo no folclore de culturas antigas ou atuais. “Encontramos
algumas histórias diretamente traduzidas de lendas que circulam em países de
língua inglesa, nas quais foram modificados nomes, lugares e referências
específicas para serem adaptadas ao contexto brasileiro, encontrando eco nesta
comunidade”.
Exemplo disso é a lenda do fantasma de uma mulher muito branca, que circula em
diferentes versões em várias regiões do mundo, “sempre fazendo este contraste
que associa a brancura e a pureza ao perigo”, analisa. O e-mail alertando para
uma quadrilha de roubo de órgãos – que dopa a vítima, deixando a mesma acordar
suturada numa banheira com gelo ao lado de um bilhete para que ligue para o
hospital – pode ser relacionado a mitos antigos com referência ao roubo de
partes do corpo.Para o estudioso, o auge da divulgação deste tipo de história na
Internet já passou, mas a troca das mensagens ainda merece atenção. Algumas
destas lendas estão inclusive associadas a práticas criminosas, como é o caso do
“golpe nigeriano”, no qual a vítima recebe uma mensagem de um suposto
estrangeiro que tem uma grande quantia de dinheiro a receber no Brasil, e que
estaria disposto a dividi-la com quem o ajudar nesta tarefa. Para isso, pede que
antes a pessoa faça uma série de transferências bancárias – dinheiro que ela
nunca mais verá. “Este golpe já existia antes mesmo da popularização da
Internet, sendo conhecido como ’a carta nigeriana’ ”, conta.
Linguagem e realidade
O principal referencial teórico escolhido por Lopes para sua pesquisa foi a
Análise do Discurso. Esta área de estudo da linguagem reflete sobre como a
língua materializa a experiência social na história, sendo ao mesmo tempo
instrumento e construtor da realidade. “Não se trata de uma análise meramente
lingüística, mas da relação de texto, contexto, sujeito e ideologia. O discurso
é então a conexão da língua com o contexto sócio-histórico, articulada na forma,
por exemplo, de um texto narrativo.”, esclarece o pesquisador.
Por meio da análise discursiva, percebem-se questões que extrapolam o texto,
como construção de identidades sociais. “Algumas histórias revelam identidades
construídas no discurso, reforçando estereótipos e preconceitos. Entre as lendas
americanas encontrei várias referências à figura do imigrante associada a
perigo: produtos importados do México contaminados, uma espécie de chupa-cabras
mexicano que teria atravessado a fronteira norte-americana, entre outras”.
O racismo também está presente em certas lendas difundidas. Uma delas dá conta
da história de uma mulher branca que teria sido infectada pelo HIV por um negro
e, para se vingar, passou a procurar homens negros para ter relações sexuais,
espalhando o vírus entre eles. “Uma história parecida, na verdade uma versão
'real' da lenda conhecida como AIDS Mary, foi publicada no tablóide
sensacionalista britânico The Sun, deixando ainda menos claras ao público as
fronteiras entre realidade e ficção quando falamos em lendas urbanas.”
Mais informações: Carlos Renato Lopes, e-mail:
carelo@uol.com.br. Pesquisa orientada
pela professora Anna Maria Grammatico Carmagnani.
Fonte: Luiza Caíres - Agência USP
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