Comunicação
por Elmo Francfort Ankerkrone
Maio 25, 2001

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O VT inverte a TV

Esta semana falaremos deste revolucionário aparelho que mudou a concepção de televisão no Brasil. O videotape, aquele que dá a possibilidade de gravarmos, editarmos e regravarmos as cenas que antes eram todas feitas ao vivo!

Primeiro seria bom explicarmos o que quer dizer videotape. Vídeo é vídeo mesmo, tape em inglês é fita. Portanto videotape é a popular fita de vídeo. Apesar de ser um aparelho o VT (sua sigla) tinha o nome do resultado de seu trabalho. As fitas de vídeo editadas e arquivadas passavam antes pelo VT. Até hoje são utilizados, sendo responsáveis pelas edições de imagens televisivas.

O videotape se escreve de diversas formas: da americana videotape ou video-tape, ou da "abrasileirada" videoteipe. Depende do gosto de cada um. Só que comumente, no meio televisivo, VT é o nome que mais se usa.

Era uma verdadeira bomba no meio televisivo, todos tinham medo do que o videotape pudesse fazer com suas carreiras ou até mesmo, deixando-os mais tempo na TV, do que em casa para gravar com perfeição as cenas. Até o sindicato dos radialistas se intrometeu na polêmica. Era inacreditável existir uma máquina que "filmasse" e que logo em seguida pudesse ver o resultado instantaneamente. Esse "filmar" atribuiu mais argumentos à polêmica, já que atores se negavam trabalhar em uma espécie de cinema na TV, apoiados no próprio ego. Por causa do VT é que até hoje, quando alguém grava suas festinhas familiares com uma câmera achava que está "filmando" a festa e não "gravando", como seria o certo. Filmar é um termo utilizado apenas para cinema, já que possuem um filme onde são registradas as cenas.

O VT estreou no Brasil em uma festa no Copacabana Palace, em 1959. A primeira cena foi um close no relógio do repórter Carlos Pallut, da TV Continental do Rio de Janeiro (canal 9) marcando 15h. O show apresentado por Riva Blanche, Pallut e dirigido por Haroldo Costa (aquele mesmo dos carnavais da Manchete!) entrou no ar às 21h. Foi surpreendente! O diretor da emissora, Demirval Costa Lima, gritou no estúdio quando assistiu à cena do relógio:

- Isto é coisa do diabo! - E por ser caro, o canal 9 carioca teve que devolver o videotape, só voltando a ter um, mais barato, no fim de 1960. Os primeiros foram todos da Ampex, só que este segundo da TV Continental já era de outra marca, a Emerson. Naquele ano de 60 ainda a Tupi, a Excelsior (recém-estreada) e a TV Rio compraram seus VTs.

Nas palavras de meu tio Luiz Francfort: "Quando a "coisa" chegou, um Ampex, era como um gigantesco gravador de som, pouco menor que um guarda-roupa, com rolos de fita de quase 50 cm. de diâmetro e pesando vários quilos (carreguei muitas entre S. Paulo e Rio)." Inicialmente o VT era utilizado como elo de ligação entre a estação produtora e os telespectadores de outras áreas, sendo o primeiro veículo de integração da TV, na opinião da Revista Mercado Global. Esta que é pertence à Rede Globo, que foi a primeira emissora que já nasceu equipada com VT, em 1965.

Em São Paulo, a entrada triunfal do VT foi em setembro de 1960 com a apresentação de Hamlet, de Shakespeare, em um dos teleteatros do TV de Vanguarda - com Luiz Gustavo (como protagonista), Sérgio Britto, Fernanda Montenegro, entre outros. Esta gravação fez parte das comemorações de dez anos da emissora.

Muitos dizem que a primeira grande utilização oficial do videotape foi na inauguração de Brasília, onde a Record gravou através da TV Alvorada uma fita e mandou-a o mais rápido possível para São Paulo, sendo que a noite, depois do primeiro grande link aéreo que a Tupi havia inventado (matéria para outra coluna, pessoal!), a mesma exibiu um resumo de suas atividades. Era o VT entrado em cena no país.

A primeira e mais fantástica utilização do VT foi em 1961 no programa Chico Anysio Show, da TV Rio, onde Chico contracenava com ele mesmo, fazendo diversos papéis. Imaginem a trabalheira que deu editar este episódio! Mesmo truque foi utilizado depois em "Mulheres de Areia", com Eva Wilma fazendo Ruth e Raquel na versão da TV Tupi. Sendo que a primeira novela a utilizar o VT foi "Gabriela, Cravo e Canela", da TV Tupi do Rio de Janeiro, que ficou famosa por muitos dos seus personagens, entre eles o Doutor Mundinho Falcão (Paulo Autran). Não confundam com a "Gabriela" global, hein! (À esquerda, Chico Anysio Show (1982) - Rede Globo - Divulgação).

A revolução era vista claramente, a reportagem poderia ao ar, sem precisar levar o filme para o laboratório revelar, os erros eram consertados antes da exibição. No caso das novelas, estas puderam ser gravadas com antecedência e surgia também o "inédito" replay . Já era possível ver novamente um gol, ver se o jogador estava impedido, ou assistir de novo o show de música de ontem! Era possível fazer com que a TV tivesse uma memória viva em suas fitas de vídeo. O videotape foi para a televisão o que o microcomputador foi para a antiga máquina de escrever.

Era uma dificuldade imensa para editar essas fitas ! Como já dissemos em outra coluna, David Grimberg (diretor de novelas, que mais tarde foi chamado do "Papa das Novelas") era especialista nisto. Rodava o Ampex, via mais ou menos onde deveria entrar a outra imagem. Segurava a fita com os dedos no ponto "que deveria ser o certo" , parava o VT, e cortava a fita com uma gilete, já colando a outra cena com cola em alguns casos. Mais tarde a cola foi substituída pelo splicer, uma fita adesiva própria para o audiotape. Era algo incrível!

Ou se cortava no ponto certo ou perdia-se trechos de fitas (até mesmo fitas inteiras!), dando um habitual "pulo" na imagem, só que um pulo sem uma seqüência perfeita entre as ações de uma cena e de outra. Mas não podíamos negar, o futuro tinha chegado à televisão.

Hoje é comum os animadores da televisão falarem: "roda o VT!". Entre eles Chacrinha, Sérgio Malandro, entre outros.

Curiosidades da TV ao vivo

Por causa da inexistência do VT, muitas coisas absurdas passaram - por mais cômicas que pudessem ter sido, mas que também fez com que muitos, no improviso, se atrapalhassem e perdessem seus empregos. Exemplo destas gafes foi o de uma garota propaganda, que estava exausta (devido ao estressante trabalho ao vivo) e fez a propaganda desta forma:

- "Use Kolynos, que protege as cáries e ataca os dentes." - Ela não só recebeu a popular advertência, como também foi demitida no mesmo dia.

Na TV ao vivo, alguns teleteatros chegavam a durar até 4 horas. Os atores decoravam seus papéis na íntegra e não podiam errar porque não havia nenhum tipo de correção, sem ser a do improviso. Hoje há cenas que são gravadas 5 ou 6 vezes, até atingir a perfeição!

Mas, apesar desse talento excepcional dos atores da época aconteciam casos curiosos, engraçados e até trágicos. Uma das coisas que passaram a fazer parte da história da TV brasileira, foi a insistente mosca que teimava em posar no nariz de "Jesus" crucificado (e já "morto" ) no especial de Semana Santa da TV Tupi, e, que justo na hora em que a câmera se aproximava em zoom, fechando no rosto do ator, resolveu "entrar" no nariz, obrigando "Jesus" morto a mexer o nariz e tirar a mão "pregada" na cruz, para espantar aquela atriz não convidada (à direita, comercial das antenas "Ciclóide", que além de anunciar o produto, faz uma paródia do caso da mosca que pousou na face de Jesus Cristo. Revista São Paulo na TV - n.º 319,  maio de 1964).

Ainda nestes anos 50 - sem videotape ainda - na série "Falcão Negro", os figurantes deste famoso programa infantil da TV Tupi tinham um certo temor de enfrentar o jeito naturalista com que Gilberto Martinho, o protagonista da série na versão carioca, utilizava sua espada. Um deles, já cansado das estocadas que levava toda semana, resolveu radicalizar. Não deixava mais Martinho aproximar-se em cena. Certo dia, marcado para morrer pela espada maldita, o figurante manteve sua determinação. Falcão Negro puxou a arma, apontou-a para o figurante e soltou a frase-clichê:

- "Morra, miserável!".

Antes que a espada tocasse o corpo do miserável, porém, o figurante pulou para trás, escapando do golpe mortal. No entanto, ator consciente, o tal figurante, mesmo fugindo da estocada, respeitou a marcação e caiu morto. A cena teria ficado incompreensível, não fosse a presença de espírito de Gilberto Martinho que, mesmo surpreso diante da reação inesperada do inimigo, alterou o diálogo com precisão:

 - "Quer dizer que, além de miserável, és cardíaco?"

E para encerrar a história do videotape, coloco uma frase do comediante Zé Trindade, após 16 horas exaustivas para conseguir ter uma gravação perfeita:

" - Se me aparecesse aqui agora o inventor desse tal de videoteipe, eu dava-lhe um tiro na testa!"

TV Leitor

Essa semana inauguro nesta coluna um espaço para debater aqui mesmo a opinião, as dúvidas e as sugestões de seus leitores. Bem vindos ao "TV Leitor".

- O assíduo leitor Eduardo Furtado fala da infelicidade dos jovens comunicadores da atualidade, que "nem sabem que existiu uma Excelsior ou uma Tupi" e que assim torna-se difícil estabelecer uma idéia concisa do que é uma TV de qualidade, a não ser as que hoje conhecemos. Concordo plenamente! Se a Globo foi revolucionária em tantas coisas, não podemos deixar de lado a importância destas duas televisões. A Tupi, pelo seu pioneirismo inconfundível, a Excelsior pela sua visão ampla, comercial e inovadora de pensar, dando uma nova fórmula, até visual, ao conceito de TV no Brasil. Além dessas é importante lembrar da TV Rio, da TV Paulista, da TV Continental e de tantas outras, que de uma maneira ou de outra, entraram para a nossa história televisiva.

- Ao Eduardo Furtado ainda, digo que fico lisonjeado de ter te fornecido na coluna do Vigilante Rodoviário o hino do mesmo, que você tanto queria - sem esquecer do Hino da Televisão, que era algo que já comentaste que queria e não sabia onde encontrar. Mais para frente outras novidades você terá nesta coluna, até mesmo outros áudios!

- Gostaria de parabenizar o leitor Gabriel Maraccini pelo site Éramos Seis (www.eramosseis.cjb.net), que mesmo com alguns errinhos (que prometi que vou auxiliá-lo), cobriu diariamente os capítulos da novela, numa linguagem coloquial destinada ao público infanto-juvenil. Meus parabéns! E o leitor ainda promete que mesmo com o término da novela, na última sexta-feira, ele continuará o site publicando um resumo de um raríssimo livro de Maria José Dupret, o "Dona Lola", que é uma das continuações de "Éramos Seis". Gabriel, "Minha Filha Isabel" também é outra continuação. Vale a pena procurá-lo. E o leitor nos cede o poema, que subia pela tela na última cena de Éramos Seis, no SBT. Guardem esta grande recordação à vocês:

"Esta é uma novela
que não terminou!
Riso e Pranto prosseguem,
acordando em nós
o velho hábito de sonhar.
A Avenida Angélica de ontem,
transforma-se num rio
que leva para o mar da noite
a graça de um tempo
que pede para ser eterno.
Outras Lolas e
outros Julios virão,
oferecendo a paisagem
angustiada a rosa
de seu amor.
Entre personagens
povoados de poesia,
o personagem maior é
São Paulo - a glória de
São Paulo de 32,
no sentir
de Guimarães Rosa.
Éramos Seis
e hoje somos tantos
a pedir que aconteça
em nossas vidas,
o suave milagre
dos dias de outrora!

PAULO BONFIM"

- O leitor Anderson Diniz Bernardo ficou sensibilizado com a coluna "Estórias sem fim", quando relembrei o episódio de Brida, novela inacabada da Rede Manchete. Assim como você, também sinto falta deste canal 9. E também acho que foi triste ver até mesmo o Jornal da Manchete, que foi um inovador telejornal em termos tecnológicos, tornar-se Primeira Edição antes da falência da emissora.

- Meu colega do Sampa Online, João Antonio Wiegerinck (da coluna Comportamento) pergunta se falarei da TV a cabo. Com certeza é a minha resposta. Logo falarei da influência dos canais internacionais em nossa TV, por tabela falarei da TV a cabo.

- Explicito aqui um comentário de meu irmão, Arthur Ankerkrone sobre minha última coluna, sobre a novela "O Direito de Nascer" do SBT. Ele complementa a música de abertura desta novela é a mesma que foi utilizada na versão da Tupi em 1978, com Strazzer e Eva Wilma.

- Outro colega do site, o Luiz Fernando Bindi (da coluna Futebol) diz que suas novelas prediletas são "Que Rei Sou Eu?" e "Pantanal". Na minha lista de principais, respeito e muitos as duas citadas, além de "Dona Beija", "Kananga do Japão", "Ana Raio e Zé Trovão" (na Manchete), "Éramos Seis", "Pupilas do Senhor Reitor", "Sangue do Meu Sangue", "Ossos do Barão" (todas do SBT), "Vamp", "Olho no Olho", "Rei do Gado" (entre outras da Globo) e "Os Imigrantes" da Bandeirantes. Sou um grande fã de minisséries principalmente e sitcoms.

- Roberto Pavanelli, também colunista (do Santo Amaro Online) pede para eu completar a turma do Capitão 7: Jô,Fernando, Bolão, Chuvisco (que dizia: "Michou o carburte!") e outros que não recorda-se. Irei pesquisar, porque também não me lembro dos nomes que faltam, Roberto.

Semana que vem responderei a carta dos leitores que ainda não foram expostas. Vou ficando por aqui! Um grande abraço a todos!

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Publicado no Sampa Online ( http://www.sampaonline.com.br ) no dia 25 de Maio de  2001