Mooca faz 449 anos e evolui preservando as tradições do passado
Agosto 18, 2005

Dizem os historiadores que quando os primeiros homens brancos começaram a erguer suas habitações na região, os índios, entre curiosos e espantados com a movimentação dos portugueses teriam exclamado “mo oca” – que significa “faz casa” em tupi-guarani.

Isso teria acontecido apenas dois anos após a fundação pelos jesuítas do colégio que daria origem à cidade de São Paulo e o bairro, que completa 449 anos nesta quarta-feira (17/08), ficou desde então conhecido pelo nome de Mooca.

Quase 450 anos depois, o casario erguido no local de maior concentração de indígenas do planalto paulistano na época do descobrimento transformou-se no núcleo da região administrada pela Subprefeitura da Mooca, composta também pelos distritos do Brás, Belém, Pari, Água Rasa e Tatuapé. Em uma área de 35,2 Km2, os seis distritos reúnem mais de 300 mil habitantes.

Índios e italianos

A herança indígena pode ser observada ainda hoje em nomes de várias ruas locais, como Javari, Taquari e Tabajaras, entre outras. Mas nos últimos dois séculos, uma outra herança – legado dos imigrantes italianos, com suas cantinas, pizzarias, canções, danças e a gesticulação das mãos ao falar – fez da Mooca um dos bairros mais característicos de São Paulo.

O primeiro impulso ocupacional do bairro se deu em agosto de 1867, quando a Câmara Municipal, então Câmara Régia, resolveu doar terras para a formação de um povoado local. Ao longo da segunda metade do século XIX, a chegada de imigrantes agregou outras feições à Mooca: chácaras e sítios iam cedendo lugar a fábricas, usinas e vilas de operários. A maioria dos imigrantes vinha da Itália, mas também contribuiu para o típico e único sotaque mooquense a forma de falar de espanhóis, portugueses e, na década de 30, imigrantes da Europa Central e Ocidental. Revitalização

Após algumas décadas de esvaziamento - com a desocupação de prédios e galpões por indústrias e empresas - a Mooca começa a dar sinais de que quer vida nova. Mas com a mesma roupa de outrora.

“Queremos a revitalização do bairro, mas sem deixar de lado a nossa história e cultura”, explica Crescenza Neves, a Dona Zina, presidente da AMO A MOOCA (Associação dos Moradores e Amigos da Mooca). A Associação foi uma das entidades que se mobilizaram para garantir que o edifício principal do Cotonifício Crespi, a primeira grande fábrica da Mooca, fosse restaurado e tivesse suas portas reabertas em março deste ano com uma nova atividade, um hipermercado.

Empregos, greve e revolução

Em seus 67 anos de funcionamento, a tecelagem criada pelo imigrante italiano Rodolfo Crespi em 1898 empregou milhares de operários e foi palco de episódios históricos, como a primeira grande greve do País, em 1917, e a Revolução de 1924, que lá deixou marcas de balas de canhão, ainda visíveis. O Clube Atlético Juventus também surgiu ali, fundado em abril de 1924 com o nome de Extra São Paulo por um grupo de funcionários que encontraram no futebol uma forma de lazer nos fins de semana.

Para o bisneto de Rodolfo, Fernando Crespi - responsável por parte do complexo instalado na quadra das ruas Javari, Visconde de Laguna, dos Trilhos e Taquari -, o empenho da comunidade foi fundamental para a realização do projeto, que incluiu a restauração das fachadas do prédio principal, preservando o estilo arquitetônico, e uma ampla reforma interna. O investimento pelo hipermercado para implantar o primeiro grande negócio no local desde o fechamento do Cotonifício (1965) foi de R$ 20 milhões.

“Não tínhamos interesse na venda do imóvel, mas queríamos um empreendimento de porte que investisse na restauração e ajudasse a revitalizar esse quarteirão que fica bem na entrada da Mooca e da zona Leste”, explica Fernando. A comunidade ganhou ainda dois novos espaços: uma capelinha com entrada pela Visconde de Laguna, onde foi colocado o Cristo de bronze que antes da reforma era livremente visitado por senhoras do bairro; e, futuramente, um centro cultural de 4 mil m2 no 3º piso, onde a comunidade poderá manter vivas suas memórias.

Para a subprefeitura Mooca, o caso do Cotonifício Crespi é um exemplo de projeto que reconstrói a história do bairro e promove qualidade de vida. “A Mooca tem muitos galpões ociosos, que estão sendo demolidos para virarem conjuntos residenciais ou adaptados para atividades comerciais. Estamos incentivando a revitalização desses espaços, até porque a Mooca é uma área estrutural muito próxima ao Centro da cidade e de importantes vias de ligação como a Marginal Tietê e a Radial Leste”, avalia o subprefeito.

Galpões podem virar vilas

Na contramão do processo de verticalização que começa a ocorrer na Mooca, a exemplo do que se deu com o Tatuapé há cerca de 10 anos, os arquitetos Sandra Landi, Sumaia Lima e Ernesto Almeida Neto propõem a revitalização de antigos galpões com sua conversão em mini bairros ou vilas.

O projeto, que será apresentado na 6ª Bienal Internacional de Arquitetura, é intitulado "Riabitare" – derivação de "reabittare", reabitar em italiano –, porque pretende preencher os vazios urbanos em bairros bem localizados e providos de toda infra-estrutura necessária para moradia e trabalho, como a Mooca e o Tatuapé. “Para que gastar dinheiro demolindo para construir novamente se já temos estruturas inteiras reaproveitáveis?”, indaga a arquiteta Sandra Landi.

Em sua proposta os galpões seriam reformados e divididos em várias moradias do tipo lofts, ou ainda, utilizados como edifício de serviços. O projeto visualiza também a possibilidade de um mesmo conjunto de galpões agregar duas ou mais funcionalidades, com os espaço voltados para a rua destinados ao pequeno comércio, suprindo as necessidades do condomínio e favorecendo a revitalização do entorno.

Os arquitetos propõem ainda um sistema de serviços e lazer coletivo terceirizados com, por exemplo, academia, lavanderia e cyber-café que paguem conjuntamente as despesas do condomínio. Desta forma, os moradores poderiam aplicar o que gastariam com a taxa condominial na utilização desses serviços.

As vantagens para o investidor, segundo Sandra, são o baixo custo do empreendimento e um retorno mais rápido do investimento, já que o tempo para a adaptação dos galpões é muito menor do que o necessário à construção de um prédio. “Na Bienal apresentaremos um estudo de viabilidade econômica. Nossa esperança é conseguir atrair a atenção dos investidores”, sinaliza. “Como paulistanos temos interesse na preservação da nossa história”, destaca a arquiteta.

Menos indústrias, mais condomínios de luxo

Mesmo com a mudança de seu perfil de industrial para residencial, a Mooca ainda mantém algumas indústrias. A Alumínio Brilhante, fabricante de panelas; a Arno, de eletrodomésticos; e a Capricórnio, têxteis, são alguns exemplos que ajudam a lembrar o período tipicamente fabril do bairro, com indústrias que impulsionaram o desenvolvimento local como os Armazéns Matarazzo, a Tecelagem Três Irmãos, a Andrauss Cia. Paulista de Louças e a Alumínios Fulgor. Atualmente a atividade industrial representa apenas 25,27% dos estabelecimentos de toda a região da Subprefeitura, atrás do comércio, com 41,4%, e do setor de serviços, com 31,5%.

Outra novidade é que a Mooca começa a receber alguns condomínios de luxo, além de bares e casas de hambúrguer inovadoras, registra a subprefeitura. O Vilarejo São Paulo - na rua Curupacê - é a expressão desse novo movimento e da recuperação de arquiteturas de outrora. O espaço reúne um museu de carros antigos - instalado em um antigo galpão industrial, um bar, uma cantina italiana e uma loja de souvenires, que no conjunto formam uma cidade cenográfica de uma rua da Mooca da década de 20. Se depender da AMO A MOOCA, galpões vazios serão destinados a espaços de lazer e cultura.

“Além do maravilhoso Teatro Arthur de Azevedo, não temos mais nada de entretenimento aqui. Acabamos indo para outros bairros e para os shoppings, mas as famílias ficariam mais descansadas se pudessem se divertir na própria Mooca”, pondera Dona Zina.

Mais lazer

Realmente a Mooca não lembra mais os tempos dos cinemas Moderno, Icaraí e Roma - todos na Rua da Mooca -, só para citar alguns. O bairro já chegou a contar com 10 diferentes salas de cinema, algumas sobreviventes até a década de 60.

A partir de abril de 2006, no entanto, Dona Zina e as famílias mooquenses ganharão uma opção: um shopping center com 9 salas de cinema e um andar inteiro de praça de alimentação. O prédio está sendo erguido pela UniCapital no número 2.761 da avenida Paes de Barros, uma das muitas universidades existentes na Mooca e no Tatuapé. Três dos 10 pisos do prédio serão para salas da universidade.

Outra novidade, a única pista de bicicross atualmente na cidade e a primeira desde 1990, também proporcionará mais uma área de lazer aos habitantes, não só da Mooca como dos demais distritos. A pista, em fase de finalização, foi uma maneira criativa e barata encontrada pela subprefeitura para dar fim a um dos principais problemas da região: o lixo. O terreno municipal na Radial Leste, próximo à Salim Farah Maluf, era indevidamente utilizado como depósito clandestino de entulho.

O equipamento conta com a parceria da Federação Paulista de Bicicross para a realização de provas oficiais a partir da inauguração, programada para setembro. Antes mesmo de sua conclusão, já é possível ver, nos finais de semana, muitos jovens utilizando a parte pronta da pista e famílias inteiras nas manhãs e tardes de domingo.

A melhoria de áreas verdes é outra reivindicação de moradores que está nos planos da subprefeitura. Para as praças presentes na Mooca, Tatuapé, Belém e Água Rasa, os técnicos estudam implantar pistas de skate ou de caminhada e mesas para jogos, de acordo com o perfil etário dos usuários.

Cooperação

As parcerias com a comunidade e empresas também estão no foco do subprefeito, que destacou um técnico para cuidar exclusivamente do assunto. O resultado é positivo: desde janeiro foram firmados 38 termos de cooperação para manutenção de praças e de canteiros centrais. Já nos distritos do Brás e Pari, quase dois desertos de concreto consolidados, a idéia é criar parques lineares ao longo das principais avenidas, aumentando áreas permeáveis e verdes.

No Largo São José do Belém, a Subprefeitura tem planos maiores. A intenção é revitalizar a praça, emblemática para os belinenses, devolvendo-lhe os traços originais da década de 20.

A tradição, aliás, é uma das características do Belém, onde muitos moradores já passaram dos 60 anos e onde é possível encontrar os mesmos estabelecimentos de décadas atrás. "É um bairro pequeno, onde as pessoas se conhecem e se ajudam. É como uma cidade do interior", conta Manoel Pitta, dono da Casa Pitta, loja de calçados instalada há 83 anos na esquina das ruas Herval e Silva Jardim. Segundo Manoel, que está à frente da Sociedade Amigos do Belém há 34 anos, o comércio local está em dificuldades. “O shopping está nos matando. As lojas mais tradicionais só estão de pé graças aos fregueses antigos", reclama.

Apenas em julho, três lojas fecharam suas portas na rua Silva Jardim. De acordo com ele, a falta de movimento ocasionada pela concorrência dos shoppings é a principal causa do insucesso dos negócios do Belenzinho. “O prédio da Casa Pitta é próprio, mas quem paga aluguel de R$ 1.000, mais empregados, impostos, não consegue se manter se não tiver movimento”, explica.

Parque no lugar da Febem

Outra queixa da entidade que representa os comerciantes belinenses é a degradação da avenida Celso Garcia, entre a rua Bresser e a Salim Farah Maluf. “É o nosso grande problema. Nesse trecho, 70% dos estabelecimentos foram fechando pela falta de estacionamento e pelo fato de não poder parar carro na avenida”, observa Manoel Pitta. A associação espera que órgãos públicos e iniciativa privada revitalizem a área, dando-lhe um destino residencial.

Por outro lado, uma das maiores lutas da Sociedade Amigos do Belém, o Parque Estadual do Belém, está em processo de se concretizar. O governo do Estado já tem 11 licitações em curso para a construção de unidades da Fundação do Bem Estar do Menor (Febem) em municípios do interior. Ao todo, são necessárias 41 novas e pequenas unidades para que o complexo Tatuapé da Febem - que, na verdade, fica no Belém - seja desativado e dê lugar ao Parque.

Serviços

O Tatuapé, próximo distrito para quem segue para o extremo leste, é marcado pela verticalização e desenvolvimento do setor de serviços. Nos anos 90, muitos comerciantes e industriais de outros bairros da zona Leste que enriqueceram fizeram a escolha de morar no Tatuapé. Condomínios e serviços de alto padrão se alastram pelo bairro. Por isso, é o local da Mooca com a maior oferta de restaurantes, bares, petshops, buffets infantis, redes de lavanderia e agências de carros importados, principalmente no entorno da Praça Sílvio Romero.

Apucarana, Itapura e Tuiuti são as ruas comerciais mais valorizadas, até porque não compartilham dos altos índices de roubo de carro e seqüestro relâmpago que o Tatuapé como um todo enfrenta.

Como a Mooca, o Tatuapé tem uma oferta de serviços públicos de saúde e de educação que atende toda a demanda local. Ao contrário do que acontece no Brás e no Pari, que nos últimos 10 anos foram “invadidos” por imigrantes coreanos e bolivianos, atraídos pelas oportunidades de trabalho.

Preservação da história

Coincidência ou não, o Brás abriga o Memorial do Imigrante, criado em 1998 com o objetivo de preservar e expor a documentação, memória e objetos dos que vieram para o Brasil, de meados do século XIX até os dias de hoje, em busca de esperanças, aventuras, ou simplesmente fugindo de uma situação difícil nas pátrias de origem. O Memorial ocupa parte da antiga Hospedaria de Imigrantes, um complexo de prédios construídos entre 1886 e 1888 com a finalidade de receber e encaminhar à lavoura os imigrantes trazidos pelo Governo de São Paulo.

No memorial, é possível pedir informações sobre imigrantes que chegaram a São Paulo no passado e obter a Certidão de Desembarque, um documento oficial reconhecido por consulados. Uma cena muito comum no local nos dias atuais é ver turmas de estudantes atrás de dados para trabalhos ou ansiosos pelos passeios de Maria-Fumaça e de Bonde, operados por membros da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária.

Pari

O Brás é nacionalmente conhecido por sua indústria da moda e lojas de confecções. O Pari, pelo famoso comércio de doces, e mais recentemente, de utensílios e armarinhos. Esse fluxo grande de imigrantes alterou bastante o perfil da região. E a população de baixa renda gerou uma carência grande na área educacional e de saúde. A Praça da Cantuta é uma das contribuições culturais dos imigrantes bolivianos ao Pari. A feira, legalizada, acontece aos domingos e traz comidas, artesanato e danças típicos.

O grande fluxo de compradores também trouxe reflexos ao Brás e Pari: contribuiu para a instalação de inúmeros ambulantes. Dos cerca de 2000 camelôs que trabalham no Brás atualmente, apenas 893 têm permissão da Administração municipal para atuar na região.

Em contrapartida, a subprefeitura tem feito operações especiais em conjunto com órgãos estaduais e federais para coibir as mercadorias provenientes de contrabando e falsificação. A rua Oriente - mencionada no livro “Brás, Bexiga e Barra Funda” (Alcântara Machado, 1927) como uma rua de pessoas pobres por onde passavam o bonde e os cortejos fúnebres do bairro no início do século XX, se tornou o grande foco desse comércio ilegal.

A subprefeitura, em conjunto com a Associação Comercial de São Paulo, tem ainda mantido entendimento com as lideranças dos ambulantes para mostrar que a regularização é a melhor saída. Os chamados shoppings populares seriam uma opção.

Com quase 86 mil habitantes, a Água Rasa tem a maior população de toda a região da Mooca, mas poucos dos que ali residem trabalham no distrito. Por isso, é o mais residencial e tranqüilo de todos.

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Fonte: Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Paulo

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