"Maracutaia" da Prefeitura troca terreno em região nobre de São Paulo "por área podre" na Raposo Tavares
Dezembro 29, 2001

Na esquina das ruas Domingos Fernandes e Jacques  Felix, na Vila Nova Conceição (bairro da Zona Sul da Cidade de São Paulo) um terreno de 10 mil m² que pertence à Prefeitura Municipal de São Paulo abriga dois equipamentos públicos: a Escola Estadual Martin Francisco, inaugurada em 22 de abril de 1948 pelo então governador Adhemar de Barros, e a Unidade Básica de Saúde Max Perlman (Vila Olímpia), administrada pela Coordenadoria de Saúde Vila Mariana.

O Projeto de Lei 515/04, aprovado em segunda discussão na Câmara Municipal na quinta-feira (23), prevê a troca do terreno por duas áreas na Raposo Tavares, que pertencem à Pan American Estádios.

Uma manifestação reuniu, hoje pela manhã, professores, pais, alunos, moradores e vereadores, que expressaram seu repúdio à aprovação do projeto.

A votação 

Apesar das tentativas de obstrução dos vereadores que se opunham à projeto, a votação acabou acontecendo à noite. Constatou-se, posteriormente, que o vereador José Nogueira, cuja presença era apontada pelo painel eletrônico, não estava no prédio.

A vereadora Tita Dias (PT) questiona também a presença no plenário da vereadora Myryam Athie (PPS), que "está afastada por corrupção do seu mandato". Entretanto, a Câmara não foi notificada até o momento do afastamento da vereadora.

Confira: Como votou seu vereador ?

A tramitação da Lei

O vereador Cláudio Fonseca (sem partido, ex-PCdoB) afirmou que "a Lei foi sancionada com uma rapidez raramente vista. Em situações normais, após a votação a mesa diretora precisa expedir a Carta de Lei, que vai ao gabinete da Prefeita para ser sancionada". Segundo Fonseca, projetos de importância para a cidade "ficam até vinte dias para serem sancionados, mas neste caso nós tínhamos terminado a votação  e a Carta de Lei desceu para que os membros da mesa a assinassem", e foi expedida para o gabinete da Prefeita no mesmo dia. No dia seguinte, estava publicada no Diário Oficial.

O negócio

O Prof. Eliseu Gabriel (PSB), presidente da comissão de educação da Câmara, estudou na Martin Francisco durante alguns meses no fim da década de 50. A educação pública era, na época, era de altíssima qualidade: "entrei na USP", confessa. Na terça-feira, junto com a vereadora Tita Dias, visitou o terreno que a Prefeitura irá receber em troca: "é um mico", afirma, "que nem vale o que diz o Projeto de Lei. Imagina; é uma área que já está começando a ser invadida, algumas partes estão ocupadas pela Edições Paulina, por um frigorífico, por um estacionamento de caminhões. É um péssimo negócio para a cidade de São Paulo". Mesmo que fosse um excelente negócio, Gabriel discorda da proposta: "O Projeto de Lei mexe com  a cultura da cidade, é coisa de dirigentes espertalhões, de cabeça de subdesenvolvido".

A responsabilidade

O vereador Cláudio Fonseca afirmou que "ninguém pode atenuar responsabilidades: a responsabilidade principal pela permuta onde está construída a escola, chama-se Prefeita Marta Suplicy". Segundo Fonseca, "a Prefeita deu de bandeja esta área em troca de uma área podre na periferia, que vai cumprir a finalidade de construir moradias de uso popular coissíssima nenhuma, e ainda que fosse, não adianta construir moradia de uso popular para povo sem educação; não há como colocar pessoas ignorantes dentro dessas moradias".

Flávia Pires, mãe de um aluno, responsabiliza também os funcionários da Diretoria Estadual de Ensino: "sem a a afirmação deles que a escola era ociosa esse problema não teria acontecido". Segundo Flávia, tanto esses funcionários como o Secretário Estadual de Educação, Gabriel Chalita, "foram coniventes: Chalita veio na escola, ouviu pais, pessoas emocionadas falando de coração, ouviu depoimentos e foi incapaz de assumir que já tinha enviado um ofício no dia 9 de agosto afirmando que esta era uma escola sem demanda". 

Eu tenho vergonha de ...

Tita Dias disse que apesar de ser vereadora do PT sente-se "bastante envergonhada e revoltada pela Prefeita ter encaminhado esse projeto e  envergonhada pelos vereadores, meus colegas, que tiveram coragem de votar esse projeto. E mais envergonhada ainda me sinto porque conheci a escola, a quantidade de alunos que tinha. Prefiro jovens estudando em lugar como esse e não largados lá na periferia".

Maria Vitória Benevides, professora da USP, declarou-se publicamente "PT desde a fundação -sou uma das mas velhinhas do partido", e afirmou ter  apoiado concretamente a reeleição da prefeita Marta Suplicy. Mas afirmou estar "revoltada, indignada e furiosa" com o que considerou um "um crime contra a constituição e contra os direitos humanos: este projeto permuta uma certeza, uma escola pública em um local excelente por dúvidas, um terreno cheio de problemas, um mico, algo sobre o que não temos idéia. O que está por trás em termos de uma ética, de uma moral, em uma proposta destas ?", questionou. 

Benevides considerou, por último, "absolutamente inacreditável que isso tenha acontecido na calada da noite de um governo que colocou a educação  como uma de suas prioridades".

A voz dos alunos e ex-alunos

Armando Ítalo Nardi, ex-aluno da escola que atua no segmento da arquitetura há mais de 30 anos, afirmou que nasceu no bairro e praticamente viu "esta escola ser construída" Armando propôs o tombamento da área, "já que é um patrimônio histórico, uma arquitetura que não existe mais, fora as árvores que são um mini-pulmão do bairro". Apesar de declarar-se alheio à política, disse que o governo Marta Suplicy "está fazendo tudo ao contrário: da "esperança está vencendo o medo" passou a "o medo está vencendo a esperança". Isso é maldade, é o ter prevalecendo sobre o ser". Armando questionou se Marta Suplicy e os que votaram a favor do projeto "não perceberam que com essa maracutaia estão queimando filme no Brasil inteiro?". Finalmente, Armando convidou publicamente à Prefeita para vir na escola, conversar com todos e explicar por que está prejudicando uma comunidade inteiras.

Naiana Souza Bento, 16 anos, aluna da escola, disse que vem do Jardim São Luis, "a terra dos CEUs", e achou "ridículo que nós, alunos, fomos tratados como palhaços, como se não tivéssemos direitos. Nós temos direito sim, direito à educação, a falar e a sermos respeitados. Não simplesmente levar um pé nas costas e sai daí que o terreno é nosso".

Ações populares

Para o vereador Carlos Giannazi (PT) o projeto é ilegal e deve ser combatido na justiça: "A Lei  agride a constituição federal, a Lei de Diretrizes Básicas da Educação e o Estatuto da Criança e do Adolescente no quesito acesso à Educação Pública, já que o equipamento vai ser destruído impedindo o acesso de milhares de crianças e adolescentes à educação na região". Segundo Giannazi, a Lei Orgânica do Município também foi desrespeitada: "é nosso entendimento que pela Lei Orgânica do Município teria de ter mais uma audiência pública, que deveria ser essa semana. Como eles queriam votar a toque de caixa, não permitiram a realização da audiência e isso é ilegal". Segundo Eliseu Gabriel, ontem os representantes da  comissão de educação reuniram-se com oDr. Vital Serrano, do Ministério Público, e na quinta-feira será protocolado o pedido de anulação da votação.

Giannazi considerou essencial a mobilização de professores, pais de alunos e da comunidade para barrar a Lei: "Chalita foi taxativo no documento dizendo que a escola não tinha demanda, mas depois de pressionado voltou atrás, dizendo que tinha mais de 1.400 alunos, mas que a pressão da Prefeitura era muito forte." Propôs, como última medida, a ocupação da escola, como forma de impedir a mudança.

Maria Vitória Benevides, que mora frente à escola, colocou sua casa à disposição dos que eventualmente ocupem a escola: "toda vez que escuto da minha casa a algazarra dos alunos na entrada e na saída fico feliz em ouvir que os filhos dos trabalhadores estão estudando neste local".

Vingança ?

Alex Canuto, da Associação de Moradores da Vila Nova Conceição, representando o movimento Defenda São Paulo, também criticou o projeto, que "defende interesses privatistas, feito nas coxas, sem o menor planejamento urbano. Por que a Marta Suplicy não fez isso antes da eleição, deixou para fazer agora, no  apagar das luzes da gestão?", questionou. "Parece que ela quer se vingar da cidade que não a elegeu novamente" foi sua resposta à pergunta que formulou.

Mas Alex promete que nas eleições de 2006, nas quais Marta Suplicy pretende candidatar-se à governadora, a sociedade vai lembrar: "Ela acha que vamos esquecer? Depois ela diz que não sabe por que não tem voto da classe formadora de opinião, e bota a culpa em pessoas que nada tem a ver com sua derrota: ela perdeu a eleição para ela mesma. E com atitudes desse tipo ela vai continuar sem o apoio de formadores de opinião na sociedade", concluiu.

Após as palavras dos oradores, foi realizada uma manifestação pelas ruas do bairro.

Fotos do evento

Clique em qualquer uma das miniaturas abaixo para amplia-la

Leia também: Você trocaria um terreno na Vila Nova Conceição por dois no Jaguaré? É o que Marta Suplicy pretende para acabar com a Escola Estadual Martin Francisco.

[ Convide um(a) amigo(a) ] a ler esta reportagem

[ Imprima ] esta reportagem

Portal Sampa Online (http://www.sampaonline.com.br): o maior e melhor portal dos bairros da cidade de São Paulo