Voluntários escrevem 60 cartas para idosos
Moradores do Asilo Mão Branca, na zona sul, descobrem receita contra a solidão
Março 06, 2002

Dedos trêmulos, braços cansados pelo trabalho ao longo dos anos, falta de firmeza para segurar a caneta e alfabetização precária fizeram os moradores do Asilo Mão Branca, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo, muitas vezes adiarem os planos de escrever cartas para amigos e parentes que não vêem há muito tempo. Ontem, porém, foi dia de mandar - e pedir - notícias. 

Graças à iniciativa de voluntárias que trabalham no local, desenvolvendo atividades com os 160 idosos, 10 integrantes do projeto Escreve Cartas, do Poupatempo de Santo Amaro, dedicaram, pela segunda semana consecutiva, algumas horas para escrever correspondências ditadas pelos idosos. Foram escritos em aerogramas coloridos mais de 60 textos. 

Segundo a dona de casa Dorany Pécula, que há quase 2 anos dedica suas tardes de sexta-feita ao trabalho no asilo, a idéia é incentivar os idosos não apenas a "escrever" cartas com a ajuda dos voluntários, mas também conseguir pessoas que se comprometam a mandar correspondências para eles. 

Com esse objetivo, Dorany lançou a campanha Adote um Vovô ou uma Vovó, com a proposta de incentivar o intercâmbio entre estudantes e idosos. 

Ela tem feito contato com escolas e contado com a boa vontade de quem possa oferecer alguns minutos para enviar palavras de carinho a pessoas que vivem no asilo. 

"Receber cartas é uma maneira de os idosos se sentirem queridos, lembrados, de redescobrirem a alegria de ler ou ouvir palavras carinhosas", afirma Dorany. É também é uma das raras oportunidades para que muitos deles experimentem uma sensação às vezes esquecida: a de se sentirem únicos. 

Adotivos - De acordo com os voluntários, é importante que os idosos recebam cartas pessoais, que vejam seus nomes nos envelopes e, assim, percebam que têm algo especialmente para si. 

Para os alguns dos poucos velhinhos que já receberam cartinhas de crianças das escolas contatadas por Dorany, o momento de ler as mensagens é de festa. 

"Guardo as cartas da minha 'netinha adotiva' a sete chaves", brinca o lavrador e servente de pedreiro aposentado Otaviano de Souza Brito, de 82 anos "e uns quebrados". 

A menina, Marina Bernardelli, de 8 anos, mandou desenhos e contou, numa letrinha caprichada, que seus avôs morreram e não chegou a conhecê-los. Por isso, gostaria de "conhecer uma pessoa idosa muito legal, que gostasse de brincadeiras". 

Sobre os filhos, netos e bisnetos de verdade, Brito não gosta de falar. Mas a idéia de receber ajuda para escrever cartas o anima. "Só ontem eu ditei cinco", contou, animado. Ele optou por enviar notícias a amigos que há muito tempo não vê. Todos vivem em cidades do interior da Bahia, onde Brito nasceu e cresceu. 

A dona de casa aposentada Maria Benta Cassilla, de 91 anos, há dois no Mão Branca, aproveitou a ocasião para escrever uma carta às amigas, antigas vizinhas de uma vila no Brás, onde viveu durante 60 anos. "Tenho muita saudade de todas elas, por isso mandei uma carta geral, desejando feliz Natal e deixando o número do telefone do asilo", diz. "Quem sabe alguma delas me liga ou escreve." 

Na semana passada, ela enviou palavras carinhosas para três voluntárias da própria entidade. "Fiz questão que fosse pelo Correio, assim fica mais emocionante", comentou. "Sozinha não tenho ânimo para escrever, me faltam idéias, minhas mãos tremem, com ajuda fica mais fácil", diz. "E a gente ainda bate um papinho." 

Leonor Tartuce, de 66 anos, também aprovou a iniciativa. Escreveu para uma sobrinha e uma cunhada. "Todo mundo gosta de se comunicar", diz. "Pessoas mais velhas não são diferentes." Animada, ela gosta de fazer e declamar poesias. "Eu amo a vida e quero fazer muitos amigos ainda", diz, prontificando-se a responder as correspondências que receber. 

Ao visitar o asilo Mão Branca, em Santo Amaro, na semana passada, os voluntários do projeto Escreve Cartas constataram uma triste realidade: 

muitos idosos não tinham para quem enviar correspondência. A situação levou os organizadores a ampliar o programa. A partir de amanhã, além de traduzir os sentimentos de anciões que não tenham condições de escrever, eles vão procurar um destinatário para as cartas. 

A campanha, que já ganhou o apelido de Adote um Idoso por Correspondência, ficará centralizada inicialmente no Poupatempo Santo Amaro, onde os voluntários serão encarregados de identificar os eventuais interessados na troca de cartas. "Mil pessoas passam diariamente por aqui, e acredito que não será difiícil encontrar corações solidários entre elas", diz o gerente do Poupatempo Santo Amaro, Luís Agune. 

A idéia é que os donos desses "corações solidários", desenvolvam uma relação de amizade com os idosos, ajudando a aplacar a solidão. O trabalho será iniciado no próprio asilo Mão Branca, que abriga 160 idosos. Quem não tiver parentes e nem amigos para quem enviar uma carta, vai escrever sobre a vontade de repartir as emoções com alguém, e ficará aguardado uma resposta. 

Segundo Agune, a primeira visita ao asilo Mão Branca reservou algumas das maiores emoções aos voluntários do Escreve Cartas, desde o início do projeto, em outubro. "Conheci uma velhinha que era poetisa, apesar de não saber ler e nem escrever", lembra. "Ela recitava os versos, que acabaram transformados num belo poema." 

As cartas também acabaram consumindo muito mais tempo do que o habitual, já que os idosos também estavam interessados em conversar. "Eles passam muito tempo sozinhos e sentem uma alegria enorme quando encontram alguém para desabafar. Mas para quem escuta a satisfação é ainda maior", afirma Agune. 

Sucesso - O projeto Escreve Cartas, que foi inspirado no filme Central do Brasil, é uma parceria entre o serviço Poupatempo, do governo do Estado, e os Correios. Enquanto o primeiro oferece as instalações, o segundo fornece o papel de carta, selos e envelopes. 

Atualmente 300 pessoas atuam como voluntárias, escrevendo, de graça, cartas para analfabetos ou portadores de alguma deficiência que impeça a escrita. 

Posto fixos estão instalados no Poupatempo de Santo Amaro e de Itaquera, mas o serviço itinerante é o que vem se mostrando mais eficiente. Além do asilo Mão Branca, os voluntários já visitaram a Favela Alba e planejam para breve a atuação em hospitais e terminais rodoviários e ferroviários.

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