Luiz Antônio Ribeiro Longo, 46, é o delegado titular do 96º DP desde janeiro. Ele formou-se em direito na faculdade Mackenzie no ano de 1985. Desde então o policial passou por diversos distritos policiais na cidade de São Paulo, além do Departamento de Narcóticos (DENARC), o que lhe conferiu grande experiência na carreira. Ele é casado há 21 anos e é pai de dois filhos.
SampaOnline: O sr. foi influenciado a seguir a carreira de policial?
Luiz Longo:
Não, acho que foi por vocação mesmo. Desde a adolescência eu pensava em ser
policial. Eu sempre fui muito curioso, queria ir a fundo em uma coisa e isso
foi me atraindo, a possibilidade de fazer uma investigação.
SO: O sr. espera que algum de seus filhos siga seus passos?
LL:
Não, não. O mais velho estuda administração, enquanto o mais novo quer seguir
a área de marketing. Eles convivem com minha rotina desde pequenos e viram o
quanto é sofrido.
SO: O sr. se considera realizado na profissão?
LL:
Toda a carreira traz coisas boas e coisas ruins; tem seus problemas e suas
características. Eu não me arrependo. Às vezes a gente pensa "ela [carreira]
poderia ser um pouco mais reconhecida, tanto pela área governamental, quanto
pela população". Os nossos acertos são geralmente notas de rodapé, enquanto
o erro vira manchete. Mas a gente percebe que nos últimos tempos está havendo um
expurgo dos maus policiais e isso traz para a gente um ânimo a mais, porque essa
depuração só pode acabar em coisa boa. Policiais com má conduta já se tornaram
exceção.
SO: Há uma grande quantidade de "jovens" na polícia. A que o sr. atribui essa
renovação?
LL:
Realmente houve uma renovação de quadros. Há muitos investigadores
universitários, os delegados são mais novos. Lógico que existe o pessoal
experiente que continua no comando, mas houve um arejamento. Talvez tenha sido
pela situação do País, que dificulta a obtenção de empregos, porque hoje há
muita gente que vem prestar concurso na Polícia que têm qualificação para mais.
Por exemplo, no último concurso para investigador exigia-se o nível médio, mas
muitos tinham nível superior. Vê-se muita gente entrando na carreira de
investigador de polícia que não precisaria nem trabalhar, pois tem elevado nível
sócio-econômico.
SO: O sr. não acha que houve uma glamourização
da profissão por causa de seriados
de televisão que apresentam a polícia de uma forma muito positiva?
LL:
A polícia nesses seriados é mostrada como sendo extremamente inteligente,
hábil e com tecnologia. Mas essa glamourização é importada, porque na hora que a
gente vai ver a realidade, ela não é aquilo ali. Houve um grande progresso em
termos de tecnologia, armamento e viaturas. A gente nem imaginava há 10 anos que
poderíamos utilizar viaturas descaracterizadas e hoje todos os segmentos da
polícia utilizam-se delas. E não há só um modelo, que o marginal logo descobre
que é da polícia. Temos carros desde um corsa 1.0 até um 2.0. O armamento também
melhorou, apesar de que os marginais têm coisas que nem a polícia possui, porque
para a gente há uma burocracia na legislação a ser cumprida enquanto eles
conseguem as armas por meio de contrabando.
SO: E quanto ao problema da interceptação da freqüência de rádio da Polícia
por parte dos marginais? Há um meio de acabar com isso?
LL:
Em termos de rádio-comunicação, estamos recebendo em breve rádios
digitais que não permitirão mais interferência, e 90% deles não poderão ser
"copiados", pois ele sairá codificado no emissor e será descodificado no receptor.
Quem estiver no meio do caminho vai ouvir só barulho. Com isso daremos um passo
importante, porque geralmente em grandes roubos a banco eles monitoram a chegada
das viaturas por meio dos rádios.
SO: Há explicação para o grande número de roubos a
bancos vistos nos últimos meses?
LL:
Há alguns anos
também se via muito roubo a banco e o que aconteceu é que houve uma investigação
ostensiva por parte da Delegacia de Roubo a Bancos que começou a trabalhar de
forma incisiva em cima disso, identificando as quadrilhas, conseguiu descobrir o
modus operandis e a forma como esse dinheiro era gasto; a maioria
estava ligada ao tráfico de entorpecentes. Eles conseguiram prender os grandes
chefes e mostraram aos bancos onde estavam as fragilidades. Daí virou "moda" os
seqüestros relâmpagos, mas logo a polícia conseguiu conter esses crimes.
Depois veio o seqüestro mesmo. Conforme a polícia cerca determinado delito eles
vão mudar para outro, isso é natural no mundo do crime. Agora o tráfico de
entorpecentes está sendo muito combatido em São Paulo. Há grandes apreensões de
drogas, monitoramento de quadrilha e muita gente vai para a cadeia.
SO: O sr. acha que a
imprensa pode supervalorizar os problemas de segurança e aumentar o pânico da
população, como no ano passado no caso do PCC?
LL: A notícia tem que chegar, mas
não pode haver sensacionalismo. Um exemplo: no ano passado, um canal de
televisão ficou uma semana mostrando as mesmas imagens. Me diz qual é a
utilidade pública disso? Ela faz isso pelo lado comercial, para ganhar “ibope”.
Isso é importante para a população? É justo com a polícia? Outra coisa, às vezes
o jornalista tem uma informação importante sobre a investigação de algum caso e
divulga isso na imprensa. A partir daí acabou a investigação. Muitos repórteres
me perguntam o porquê de eu não dar entrevistas. E eu respondo: “se eu não posso
te dar a notícia, para que vou dar a entrevista?”. Eu não vou falar para ele
como anda a investigação. Eu vou dar uma entrevista quando eu puder dizer
“começamos uma investigação há seis meses, daí chegamos no José e ele estava
vinculado com isso e isso, que levou ao João, que teve a escuta telefônica
quebrada e agora está todo mundo preso e está aqui o dinheiro que eles
desviaram”. Essa entrevista eu dou.
SO: Há quanto tempo o senhor
está no 96º DP?
LL: Aqui eu estou pouco tempo, desde 11 de janeiro.
SO:
Quais são os pontos principais de sua
carreira?
LL: Eu trabalhei em plantões policiais de atendimento ao público durante uns
nove anos seguidos. Eu já trabalhei no 3º DP, no 5º DP, no 6º DP, no 8º DP, no
15º DP, no 27º DP, no 30º DP, no 29º DP, no 42º DP, no 21º DP... eu já passei
por tudo! Já fui [delegado] titular do 56º DP, na Vila Alpina, fui [delegado]
titular do 35º DP, no Jabaquara que também é um distrito pesado e agora estou
aqui no 96º DP. Eu já conhecia a região porque eu havia trabalhado no 15º DP e
no 27º DP. Facilita porque assim a gente já sabe o perfil da região.
SO: Quais são seus planos no 96º
DP?
LL: Um objetivo: quando eu cheguei aqui eles já tinham um incêndio para apagar.
Meu antecessor havia começado uma investigação, nós demos prosseguimento e
graças a Deus conseguimos resolver. O problema era o furto de hidrômetros por
causa do material de que eles são feitos. Eles são roubados para depois serem
derretidos. A grande maioria dos que fazia isso era formada por carroceiros, que
agiam durante a madrugada. Foi presa uma mulher que era uma grande receptadora e
com isso houve uma redução de 95% dos roubos aqui na região. Um próximo problema
a ser resolvido: roubo a bancos. Se o comércio dele [banco] é o dinheiro, ele
tem que ter uma segurança um pouco maior. Outra coisa é que os bancos de nossa
área estão em ruas de muito movimento. O que estamos fazendo para combater isso
é colocar duas viaturas descaracterizadas que rodam pela zona bancária o dia
inteiro. Fazemos sempre abordagem de motoqueiros principalmente, elementos
suspeitos a pé, grupos de pessoas. A Polícia Militar também tem que fazer isso
com a ronda ostensiva. É difícil porque eles [marginais] conseguem monitorar a
gente, e nós não temos como monitorá-los. Mas estamos tentando, devagar estamos
conseguindo. Os rádios digitais vão ajudar muito nisso. Outro problema que
aconteceu aqui algumas vezes é que prendemos um indivíduo, e quando vamos
conversar com ele, muitas vezes ele não sabe dizer quem foi mandante do crime.
Eles são recrutados para fazer aquele serviço e não sabem direito sobre as
ligações que existem na quadrilha. Assim fica mais difícil chegar ao chefão.
Muitas vezes só temos as imagens da segurança do banco, mas uma hora ou outra
conseguimos chegar, pois muitos são figuras carimbadas. E grande parte do
dinheiro desses roubos vai para o tráfico de entorpecentes.
SO: E quanto à população, o sr.
acha que ela é participativa? Os moradores vêm até o DP fazer boletins de
ocorrência?
LL: Os boletins de ocorrência são feitos, mas alguns [moradores] não aparecem
porque acreditam que nada será feito. Vou dar um exemplo: na semana passada
prendemos um ladrão de laptop. Uma grande investigação foi feita, conseguimos
várias vítimas que o reconheceram, tudo foi muito bem feito. Então ele foi preso
por um roubo, em primeiro momento, e por mais cinco identificações. Depois de um
tempo apareceu aqui um cidadão que ficou sabendo da prisão e queria fazer a
identificação. Quando eu pedi o b.o., ele disse que não havia feito. Se ele não
fez o b.o. ele nunca será chamado em lugar algum para reconhecer um ladrão. O
cidadão nesses casos deve aparecer para fazer o boletim de ocorrência e
acreditar que a polícia pode resolver o caso para ele. Quanto à participação nos
CONSEGs [Conselho de Segurança Comunitária], a grande maioria vai lá com seu
caso particular. Daí a gente vai ver o problema, resolve e nunca mais esse cara
aparece. Nem para agradecer e dizer aos outros que o problema dele foi
resolvido. Isso eu acho falta de participação da sociedade.
SO: O sr. acha que o cidadão
pode sentir-se constrangido em fazer reclamações nos CONSEGs, visto que qualquer
pessoa pode participar?
LL: Temos um controle de quem participa por meio de um livro de visitas. Mas
realmente muitas vezes isso ocorre. O cara vai ter medo de reclamar de um
traficante que fica na rua dele. Por isso eu acho que poderíamos rever esse
modelo. Um representante do CONSEG poderia ficar todos os dias em horário
comercial dentro da delegacia para ouvir as reclamações dos moradores, sem que
eles necessitem falar com o investigador, com o escrivão ou com o delegado.
SO:
Essa é uma idéia que dá para ser colocada
em prática?
LL: Eu gostaria de colocar até outras coisas em prática. Por aqui ser uma
delegacia participativa, nós temos psicólogos e estagiários de direito à
disposição da população. Isso é bom para os moradores, apesar de que a demanda é
pequena e certamente mais pessoas precisam de ajuda como essa. Mulheres que
sofrem agressão ou são constrangidas pelo marido recebem auxílio psicológico e
são orientadas juridicamente pelos estagiários para saberem como proceder em
casos como esses. E tudo isso sem precisar falar com nenhum policial. Esse tipo
de serviço talvez não seja muito procurado aqui por estarmos em um bairro
privilegiado, mas em locais de periferia esse tipo de serviço é muito procurado.
SO: O sr. é a favor ou contra a
diminuição da maioridade penal?
LL: O Código Penal Brasileiro adotou o critério da idade de 18 anos porque
entende-se que nessa idade há um desenvolvimento intelectual que permite o
discernimento. Isso é uma teoria. Houve uma profunda modificação no Código no
ano de 1984, mas não se discutiu isso. Eu acredito que outros critérios poderiam
ser adotados. Por exemplo: qual é a maioridade penal de uma pessoa? Depende de
cada caso. Eu acho que alguns jovens de 14 anos têm total consciência do que
estão fazendo; porém há alguns de 18 que não têm. Talvez por um retardo mental,
desenvolvimento intelectual insuficiente ou uma criação em um lugar ermo, onde
não aprendeu que fazer xixi em frente a uma mulher é um ato obsceno. Então eu
não posso repreender os diferentes de forma igual. Não gosto de comparações, mas
na Inglaterra o menor responde de acordo com a ação dele e o quanto ele sabia
que isso era errado. Aqui no Brasil parece uma utopia, mas o que poderia ser
feito: primeiro passo, fazer uma análise psicológica para descobrir o quanto ela
[pessoa] entende do crime que cometeu; com base nesse laudo a gente vê que tipo
de pena daríamos a ela, uma pena normal, prevista no Código Penal ou uma baseada
no Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim trataríamos os diferentes de
formas diferentes e os iguais de forma igual. Acho que essa é a verdadeira
justiça.
SO: Para que time o sr. torce?
LL: Sou sofredor, sou palmerense.
SO:
O sr. acompanha o futebol pela televisão ou
vai nos estádios?
LL: Meus filhos também adoram futebol, e desde pequenos quando eles me pediam
para ir ao estádio eu respondia: “vamos”; mas sempre em jogos pequenos ou de uma
torcida só. Jogos sem briga, sem encrenca.
SO:
Gostaríamos que o sr. deixasse uma mensagem para a população.
LL: Embora a polícia tenha muitas dificuldades e limitações, quero que a
população tenha sempre certeza que estamos abertos a atendê-la, fazer o melhor
que nós podemos e buscar dar um pouco mais de segurança a ela. E precisamos
fundamentalmente da colaboração dela [comunidade].
SO:
De que forma?
LL: Eles não podem esperar que a polícia haja por agir. Nós não temos bola de
cristal. Informação é a alma do negócio da polícia; então qualquer informação
que queiram nos dar pode me procurar, procurar a chefia de investigação. Eles
não serão identificados. Tudo o que nos trouxer vamos analisar, filtrar, passar
por uma equipe de investigação. Eles [investigadores] vão ver se há fundamento e
se tiver as providências policiais serão tomadas. Quero pedir que se tente
evitar ao máximo acreditar nas famigeradas “lendas urbanas”. Em caso de dúvida,
venha à delegacia que explicamos se é real ou mentirosa, como nesse caso dos
trotes em que ligam à cobrar dizendo que seqüestraram alguém. Seqüestradores não
ligam à cobrar e não pedem dinheiro na primeira ligação. Eles querem causar
pânico na família da vítima e ligam quando você já está desesperado. Tenham
muito cuidado com os cartões de crédito. Nunca dêem o cartão na mão do garçom
porque não sabemos por onde esse cartão poderá passar. Por isso tente não se
afastar dele [cartão] porque hoje em dia uma clonagem de cartão pode causar um
prejuízo muito grande. Por último, nunca responda e-mails oriundos de
instituições financeiras ou imposto de renda pedindo dados. Ninguém trabalha
dessa maneira; nenhuma instituição financeira manda e-mail para a casa do
correntista pedindo para que ele confirme dados. A Receita Federal também não.
Esses são os grandes golpes de hoje em dia, que estão mais em voga.
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