A miséria está no campo
Oi,
gente! Tudo bem?
Como vocês podem ver na minha apresentação, tenho formação em Geografia. O maior geógrafo brasileiro é um homem de origem simples, que venceu na vida acadêmica e intelectual graças à sua irrepreensível capacidade: Milton Santos.
Mas por quê estou
falando de Geografia e de Milton Santos? É que o título dessa coluna refere-se
à uma declaração do eminente geógrafo, onde ele diz que a verdadeira pobreza
está no interior do Brasil, onde os miseráveis não têm as mesmas
oportunidades dos pobres das grandes cidades. E isso fica claro também no
futebol.
Como eu já disse em
outras colunas, creio que a crise moral e financeira que o futebol brasileiro
está mergulhado é um reflexo da crise moral e financeira que assola o próprio
país.
Nestes feriados de
Carnaval, estive em Embu das Artes, Pirassununga e Descalvado. As três cidades
não têm times disputando nenhuma divisão do futebol brasileiro. Isso mostra
que a realidade que vivemos nas capitais, com grandes clubes e salários, é
totalmente diferente no interior do nosso país, onde quando se sobrevive,
sobrevive-se com muitas dificuldades, de um modo quase amador.
O
exemplo que mais me chamou atenção foi o de Descalvado. O clube mais
importante da cidade é o Clube Esportivo e Recreativo Descalvadense (distintivo
ao lado). Carinhosamente apelidado de CERD, o Descalvadense sempre disputou a 3a.
divisão do futebol paulista, tendo sido campeão em 1986. Desde 1988, ele não
disputa campeonatos oficiais ou profissionais.
Segundo depoimentos de
um morador da cidade, o estádio Felisberto Bortoletto fica cheio quando o CERD
disputa campeonatos amadores contra times da região. O clube, que organizava um
bonito baile de Carnaval, tem uma entrada suntuosa e uma área que abrange vários
quarteirões na cidade (que tem em torno de 30000 habitantes).
E por que o time não
disputa campeonatos oficiais, apesar de ter um público cativo nos jogos
amadores e uma estrutura clubística claramente superior a de muitos clubes por
aí?
Certamente, a
diretoria do CERD e a prefeitura de Descalvado não vêem no time uma
possibilidade de lucro imediato (ou nem mesmo a longo prazo). No entanto, o que
deve ser levado em conta é que o esporte pode ajudar muito o habitante das
pequenas cidades, especialmente os jovens, que através do esporte, podem se
afastar das drogas e das ruas, que dificilmente trazem algo de útil.
A cidade de Descalvado
tem sofrido com o problema das drogas. O pároco da cidade, inclusive, vem sendo
ameaçado de morte por causa de seu trabalho de recuperação junto a drogados.
Esse é um outro aspecto importante a ser analisado: com o futebol, os jovens têm
algo com o que se preocupar e ainda podem se destacar em longo prazo, o que pode
até trazer progresso para o nosso próprio esporte.
Mas como as
prefeituras das pequenas cidades podem ajudar o esporte, se não têm dinheiro
sequer para saúde, habitação e educação? Sem dúvida algo muito difícil de
se equacionar na contabilidade de uma prefeitura cuja receita é, certamente,
menor que de Palmeiras, Corinthians, Flamengo ou Grêmio.
No entanto, é necessário
que se faça um projeto esportivo sério, no qual todos os esportes sejam
favorecidos e não apenas o futebol. Utilizo o exemplo do futebol, pois é a
modalidade que traz mais público e que pode trazer um retorno mais rápido.
Espero que a
iniciativa privada (séria, frise-se) possa contribuir num projeto desse naipe,
para que o futuro do nosso país possa ser mais claro do que se configura e que
não haja, a cada quatro anos, um falso esforço concentrado de pintar o Brasil
como uma potência olímpica.
Pílulas de Idéias
#
Na primeira final do Rio - São Paulo, o São Paulo goleou o Botafogo por 4 a 1
e reduziu a zero as chances de título do time carioca. Com grandes atuações
de Beletti, Roger e do estreante Luís Fabiano, o tricolor paulista massacrou o
medíocre time botafoguense. Melhor assim, pois seria muito triste para o
futebol brasileiro ver um time que não paga salários há quatro meses ser
campeão de alguma coisa.
# E acabou o Carnaval. Pessoalmente, não gosto de Carnaval, mas vejo nessa festa uma importância grande, pois é um dos poucos momentos em que o povo, tão sofrido e mal-tratado, tem o direito de se divertir. Vendo as comemorações da Vai-Vai, da Nenê de Vila Matilde e da Imperatriz Leopoldinense, fiz uma correlação com o amor que o futebol desperta: aquelas pessoas sofrem, choram e se emocionam com as escolas de samba. Nos desfiles, é a comunidade que participa ativamente, que luta o ano todo contra a falta de dinheiro e de estrutura e na hora de ir para a avenida, revestem-se de uma alegria que transcende quaisquer outros problemas. Parabéns às campeãs.
# A Gaviões da Fiel, que perdeu o título do samba em São Paulo, novamente deu vexame, com violência, tumulto e quebra-quebra na região do Anhembi. O presidente da Rosas de Ouro declarou que o problema é porque a Gaviões é torcida organizada e não escola de samba. Depois reclamam de quem luta pelo fim das organizadas. O pior foi o presidente da Gaviões, o famoso Dentinho, que disse que não tem como controlar seus torcedores, tentando tirar de suas costas quaisquer responsabilidades. No mínimo, uma atitude pouco condizente com quem se diz presidente de uma organização.
# O Palmeiras continua perdendo. Virou o primeiro tempo sofrendo um três a zero da Ponte Preta e levando sua torcida a crer que a tragédia do ano passado (quando a Ponte ganhou de 5 a 1) iria se repetir. Graças ao bom Tuta, o vexame foi menor. Mas passou da hora de mudar algo no Palmeiras, começando pelo raciocínio retranqueiro e medroso de seu técnico.
# O Corinthians não melhora. Dessa vez, perdeu nos pênaltis para o simpático São Caetano, que continua jogando para frente, no ataque, sem medo nem retranca. O Corinthians, que desde a derrota para o Palmeiras na Libertadores 2000 não reencontrou seu caminho, precisa urgentemente se refazer. Creio que uma derrota do Palmeiras no Mundial da Espanha, em julho, seja uma boa motivação para o Timão voltar a ser grande.
# A França venceu a Alemanha, na última terça-feira (dia 27), por um 1 a 0, com golaço do craque Zidane. O jogo, que ocorreu em Saint-Denis (palco da final da Copa de 98), marcou a segunda derrota seguida do time alemão. A França, que tem um time certinho (onde se destacam Zidane, Petit e Anelka), passou fácil pelos duros germânicos, que mantiveram Paulo Rink no banco durante todo a partida.
# O
Brasil joga neste sábado, dia 3, contra os Estados Unidos. Um jogo que em
outros tempos seria fácil para a nossa Seleção. Mas desde que o futebol
americano se organizou e o brasileiro virou uma lamentável bagunça, não é
bem assim. Além disso, como exigir muito de um time que não treina?
# O
técnico Leão convocou Robert (do Santos), Ânderson (lateral-direito do Grêmio),
Rivaldo e Roberto Carlos. Robert, sem dúvida, tem a justiça de uma convocação
merecida, que há mais tempo deveria ter sido feita. Anderson é apenas mediano,
mas entra naquilo que falei na semana passada sobre buscar um reserva (mesmo que
razoável) da posição para Cafu. Roberto Carlos e Rivaldo só jogarão dia 7
contra o México, pois neste fim-de-semana disputam o super clássico entre Real
Madrid e Barcelona. O lateral-esquerdo é um craque indiscutível, apesar da
alegada “máscara” e tem jogado muito bem pelo Real Madrid. Já Rivaldo é
muito bom, mas na Seleção do Brasil, não foi nem sombra do que jogou desde
que surgiu no Mogi-Mirim.
# Ainda os amistosos do
Brasil: Roma e Milan se revoltaram contra as convocações de Émerson e Roque Júnior,
respectivamente. O time milanês promete entrar com uma ação indenizatória
contra a CBF, pois alega que o Milan tem jogos importantes no período e Franco
Sensi (presidente da Roma), diz que Émerson precisa comparecer a uma cerimônia
militar italiana importante no domingo. O Milan tem uma boa justificativa, mas a
desculpa romana é ridícula. No entanto, mais absurdo ainda é fazer com que os
times, que gastam milhares de dólares com seus jogadores, sejam impelidos a
perderem seus préstimos por uma ou duas semanas, a fim de que disputem partidas
sem sentido para coisa nenhuma, como serão os amistosos do Brasil contra
Estados Unidos e México.
# A Itália, depois de 46 anos sem perder da Argentina, foi derrotada pela seleção sul-americana por 2 a 1, em jogo disputado na última quarta-feira. A Itália tem um time fraco, que joga o velho futebol italiano, de muita força e pouquíssima criatividade. Não consigo entender por que Roberto Baggio e Zola não jogam e Totti fica no banco. Já a Argentina, que cansou no fim do jogo, sentiu falta do grande Batistuta, mas contou com a categoria de Zanetti (o melhor lateral-direito do mundo, na minha opinião), Samuel (um zagueiro de altíssimo nível), Verón (genial, apesar da falha no gol da Itália) e o ataque inspirado e inspirador com Crespo e Kili González.
# A Inglaterra ganhou da Espanha por 3 a 0 na estréia do seu novo técnico, o sueco Sven Goran Eriksson, que tem uma mentalidade ofensiva algo raro no futebol inglês, europeu e miseravelmente, brasileiro.
# Falando em ofensividade, a Bélgica ganhou de San Marino por 10 a 1. Assisti ao jogo, e poucos méritos cabem ao time belga: San Marino não conseguiria figurar entre os dez primeiros da 4a. divisão de São Paulo. É um time amador, limitadíssimo, que parece um “catado” de solteiros e casados, um horror.
# Itália x Argentina; Inglaterra x Espanha; França x Alemanha. E o Brasil se contenta em jogar contra Estados Unidos e México. Será que o Brasil não tem força política para arranjar adversários de maior nível?
# Para não esquecer jamais: “Eu odeio São Paulo, odeio comida italiana, odeio chuva, odeio concreto”. Palavras de Eurico Miranda à rádio Jovem Pan. Para mim, como paulista, é um orgulho ser odiado pelo dirigente vascaíno.
Fala,
Internauta !
# O crítico gastronômico e
jornalista Ricardo Pandolfi diz que o que lhe preocupa na “gataria” do
futebol é o prejuízo que isso traz no futuro do jogador, que quando chega ao
profissional, não tem a mesma explosão que demonstrava nas categorias de base,
pois se acostumou a jogar com pessoas de físico menos desenvolvido.
# Outra coisa que preocupa
Pandolfi é que os jogadores estão indo para a Europa e “desaprendendo” a
jogar futebol. Ele cita apenas Ronaldinho como um jogador que foi à Europa com
menos de 20 anos e se tornou craque. Segundo ele, o futebol europeu é muito monótono,
com base na força física e na marcação forte. Eu concordo: o futebol
europeu, em geral, é chatíssimo e o jogador se forma de modo definitivo num
estilo muito diferente do brasileiro. Caro Pandolfi: isso é reflexo de dois
fatores: a pobreza do brasileiro, que precisa rapidamente um patrimônio (pois a
carreira de jogador é curta) e a sanha dos empresários que vendem garotos para
ganharem dinheiro em cima do primeiro fator citado acima.
# A dedicada geógrafa
Viviane Mazin e o jornalista Rogério de Andrade me parabenizam pela entrevista
com Leão (leia a entrevista), ressaltando o mau-humor conhecido do técnico da
Seleção Brasileira. Leão não é exatamente mau-humorado, mas um pouco
soberbo demais na sua posição (como disse Rogério de Andrade, o segundo cargo
mais importante do Brasil, depois de FHC). Porém, mesmo dentro dessa soberba,
Leão mostrou-se bastante tranqüilo no momento da entrevista.
#
Agradeço às importantes manifestações enviadas. Um abraço aos leitores Célia
Alves, Edil Ferreira Salles, Isabel Gakay, Eliana Gonçalves, Édson Brasil,
Fernando Pratti, Ricardo Lopes e Sérgio Figueiredo. Assim caminharemos juntos.
#
Mais uma vez, dedico essa coluna a Mário Covas. Escrevo essa coluna na quinta
(dia 1o.) à noite e espero que tenhamos essa figura inesquecível e
de fibra inigualável sempre ao nosso lado. Não apenas como governador, mas
como homem e exemplo de ser senciente.
# Até semana que vem.
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