Mídia e Polícia
Palestra proferida pelo Sr. Luiz Gonzaga da Silva ( "Mineiro") em ocasião do 12° aniversário do 23° Batalhão da Polícia Militar
Maio 08, 2001

Luiz Gonzaga da Silva é diretor da jornalismo da Rede Record. Nasceu em 5 de abril de 1950 em Nova Rezende, Minas Gerais, e formou-se em jornalismo pela Fundação Casper Libero em 1976.

Eu acho que a mídia, principalmente a televisão, tem uma responsabilidade social muito grande, e acho que nos últimos tempos, apesar de uma mudança de conceito, de valor e de prática, somos ainda repetidores de poder. Uma boa assessoria de imprensa, um bom sistema de comunicação, ainda prevalece a uma apuração de informações, a uma reportagem de cunho social. O cidadão vive no planeta, no mundo, no continente, no país, no estado mais ele atua efetivamente na cidade, às vezes nos bairros, muitas vezes na vila. Tem uma frase, que vou omitir o autor porque eu me esqueci, que diz: "se você quiser escrever um romance absolutamente universal, em que todos os aspectos da universalidade estejam contemplado, escreva sobre a sua aldeia." A aldeia, a nossa aldeia, a aldeia global, é a referência mais forte de convivência de poder e é a instância mais importante de atuação social, política e de cidadania. O mundo passa por uma transformação muito profunda com a globalização. Na mesma velocidade que mundo globaliza a comunicação vai se regionalizar e se sedimentar, cada vez ela vai ser mais sedimentada e, felizmente, regionalizada. É preciso reverter o homem para a realidade objetiva dele, onde ele seja efetivamente capaz de interferir, votar, decidir e até ser noticia que é uma coisa muito importante da vaidade humana.  

O cidadão hoje de um modo geral, e a mídia tem uma enorme responsabilidade sobre isto, sabe perfeitamente bem que tem uma crise no Oriente Médio, que tem uma crise  de câmbio na Argentina, que tem um governo novo nos Estados Unidos, que tem uma nova investida americana no Iraque, mais não sabe que vai ter uma reunião de pais e mestres na escola do filho dele, que os amigos estão se reunindo para fazer um quebra- molas na rua.  E essa responsabilidade d e desviar o cidadão da realidade dele, onde ele efetivamente ele é capaz de transformar, é uma responsabilidade, é omissão e é um desserviço que normalmente a mídia comete. 

Acho que é preciso reverter isso. Fico muito feliz que haja um enorme movimento hoje de reversão, no sentido da regionalização da informação, do processo da comunidade. A acho que é nesta realidade objetiva onde o cidadão vive, onde o cidadão atua, que ele é transformador e nós precisamos fazer isso. O jornal comunitário, o pequeno jornal, a rádio do bairro, a rádio da pequena cidade, da região, é muito importante nesse aspecto. Eu, que trabalho na televisão, acho que -e é outra coisa muito difícil de dizer-  há uma enorme confusão nesse raciocínio sobre a educação. Acho que a mídia - e a televisão essencialmente- não tem obrigação de educar; a educação é obrigação e responsabilidade do Estado. Mas o que a mídia tem feito de grave é deseducar. Acho que nós precisamos mudar esse conceito e começar a perceber que é preciso ter um maior controle da sociedade sobre a informação. A TV é uma concessão pública, a TV é uma concessão, é uma propriedade da sociedade. Nós fazemos uma confusão muito grande -e a mídia tem responsabilidade nisso-  de confundir Estado e Governo, Estado é o que é nosso e permanente; governo é o que transitoriamente administra o Estado, que é propriedade nossa. 

É aquela história do condomínio: o condomínio é nosso; o síndico é um administrador circunstancial. E a mídia administra muito a informação sobre a ótica do governo, sobre o aspecto da informação mais quente e esquece de cuidar do Estado que é permanente, que é propriedade de todos nós. N a televisão, que é onde eu trabalho hoje, onde eu atuo hoje, a gente procura fazer um trabalho com enorme responsabilidade social, refletir sobre cada cobertura, refletir sobre cada gesto, discutir. Isto não quer dizer que nós não cometamos erros, que nos resvalamos por alguma situação de sensacionalismo, de informação errada, isso você tem o tempo inteiro, mais eu gostaria de dar um exemplo muito claro que eu acho que é bastante ilustrativo do que é hoje refletido a função da mídia, da imprensa e principalmente da televisão. 

Quando acontecia uma rebelião num presídio ou numa instituição de menores, a FEBEM, e havia a invasão da polícia, havia uma grande expectativa do que ia acontecer, como ia acontecer e havia uma enorme especulação sobre que tipo de ação aconteceu lá dentro. A partir do momento que a televisão principalmente começou a usar o helicóptero, de uma certa forma o helicóptero sobrevoando passou a ser de certa forma o olhar da sociedade sobre aquela ação. Isso dá um certo conforto. Mas numa situação de uma rebelião na FEBEM  nós percebemos efetivamente que a aproximação exagerada de helicóptero servia de referência para os menores infratores agredirem os monitores e nós estávamos cumprindo o papel de porta- voz daquele delito; estavam nos usando para passar o recado. Precisamos descobrir que era necessário ter o helicóptero lá; mas a uma distância diferenciada. Precisamos recuar um pouco naquele olhar da sociedade sob a participação, que é a nossa responsabilidade

Esta questão é uma discussão que hoje faz parte do dia- a- dia do trabalho na Rede Record a gente tem uma discussão complexa, difícil, de saber como vamos fazer cada pauta, cada coisa, como é que isso interessa, isso agride as pessoas, isso muda, isso reformula, isso educa, isso deseduca. Isto é um exercício diário de cidadania, é um exercício diário de responsabilidade. Muitas vezes você tem exageros verbais de um apresentador, mas a apuração da informação, da notícia, é um trabalho muito difícil, e não existe nenhuma referência maior do legal, do correto na cobertura - principalmente na cobertura policial- do que o policial; o policial é a referência do legal. É muito comum, é quase que na totalidade, que a referência ou a informação do policial é a que está mais próxima daquela verdade que se apura com a notícia ou que está mais próxima do interesse da sociedade, e isto nem sempre prevalece - o exemplo que o professor [NR: o desembargador Lazzarini] deu aqui é muito claro- mas é a informação com que nós trabalhamos com maior segurança e maior tranqüilidade.  

A televisão é uma coisa muito interessante do ponto de vista da capacidade que ela tem de alterar a realidade algumas vezes. Lá vem uma manifestação pela Avenida Paulista, aí os caras cansaram, resolveram parar no bar, sentaram em baixo do MASP, estão lá tomando um suco, aí de repente aparece a televisão, levantam todos e pah, pah, pah. Em muitas situações você interfere na realidade; há uma exibição para a televisão em especial e você acaba reproduzindo isso qu e nem sempre é o retrato da verdade ou da realidade. A gente costuma dizer o seguinte: na televisão tem que testar tudo, tem que ver tudo; você vai entrar na casa das pessoas.

Tem uma história muita interessante -eu adoro contar histórias- sobre uma pessoa que chega à televisão e disse: "Moço, eu vi aqui remedar passarinho". O produtor da televisão, vestido de toda a importância que tem por ser produtor da televisão, diz "Moço, você vai me desculpar mas não precisamos imitador de passarinho". Após insistir várias vezes, alegando ser um imitador diferente, e ser constantemente recusado,  diz: "Já que o senhor não quer, vou embora", sobe na janela, bate assas e vá embora. Todos os dias e todas as horas chega alguém na televisão ou alguma história na televisão de alguém que sabe imitar passarinho ou que não sabe imitar passarinho mais que contar a história na televisão, e cabe a gente fazer essa triagem, cabe a gente selecionar essas histórias e nem sempre nós selecionamos as histórias certas. Muitas vezes nós selecionamos a história errada, e vai o mau- exemplo, vai a coisa errada. Acho que esse glamour da imprensa, essa idéia legal do jornalismo, essa coisa bonita da informação não padeço desse mal, eu trabalho numa industria de informação, industria no sentido de fábrica, operação, de labor, de trabalhar, de ter jornada, de estar atrás da informação, de apurar, de linha de produção que tem de ser um serviço, tem que estar bem colocado, isso funciona o tempo inteiro. Então esse glamour é muito perigoso, porque ele caminha nessa história d a distância da realidade.  

Nós temos hoje estabelecido uma discussão muito importante de um pequeno grupo que é substituir a ditadura da audiência pela ditadura do conteúdo. O maior  risco de qualidade que se comete hoje na mídia, tanto do ponto de vista a mídia que produz informação quanto a mídia que produz entretenimento, é a industria da audiência. Nós queremos estabelecer a industria do conteúdo, mesmo porque o empresário inteligente vai perceber que conceito, valor e seriedade é muito mais caro e muito mais vendido hoje do que pontos de audiência. Nenhum grande empresário inteligente e moderno vai querer associar o produto dele a um produto de qualidade ruim, de apelo fácil, isso vocês podem assistir na  televisão o tempo inteiro; vocês vão ver acontecendo. Hoje  o conceito é produto mais caro que tem na televisão, a análise, a interpretação.  

Quero dizer quer a mídia - a grande imprensa - ainda hoje não é voz da sociedade. Ela é porta- voz, na maioria das vezes, de alguns setores que estão organizados. Está é uma constatação, uma tese muito difícil de discutir no Sindicatos dos Jornalistas ou na Associação Brasileira de Imprensa, em vários lugares, mais ela é absolutamente verdadeira. Acho que o papel da televisão - especialmente do jornalismo- é ser o canal de ter opção da sociedade. Na televisão, no jornalismo, falam sindicalistas, fala dona casa, fala o policial, fala o deputado, fala o senador, fala o Presidente, essas pessoas falam e a sociedade ouve. O contrário também acontece, esta dentro do burocrático, o Presidente ou um deputado passa o recado e a sociedade ouve, isto precisa ser melhorado e mais canais precisam ser abertos nesse sentido.  

Há uma discussão muito grande sobre o controle da televisão, sobre o controle da qualidade do conteúdo e eu costumo dizer o seguinte: tem a portaria , a 796 que essa famosa que saiu,  e eu imagino que nenhum desses processos de controle serão capazes hoje de alterar o sistema de produção viciado que nós temos, do ponto de vista de entretenimento, muitas vezes de informação. Como diria meu avô - lá em Minas Gerais- no meu fraco modo de entender a melhor forma da sociedade fazer hoje  é estabelecer critérios de controles na programação infantil; nenhum programa infantil pode ser colocado no ar sem que tenha pedagoga, psicólogo, educador participando do processo de pauta, de discussão, de produção. Esta é uma forma inteligente de você formar um novo telespectador, um novo cidadão. É preciso manter uma discussão profunda, difícil, criteriosa, complicada porque muitas vezes tem interesses conflitantes na Record, hoje, de que nós não podemos mais vender só produtos; não podemos mais entrar nas casas das pessoas de manhã, à tarde, à noite, vendendo só produtos. É preciso estabelecer valor; é preciso estabelecer conceito, é preciso exercitar cidadania. Se não, a gente não melhora. E se nós não fizermos isso, isso é sobre uma ótica evidentemente comercial, quem vai mudar o mercado? Por pior que isso possa parecer, quem vai mudar a ação é o mercado. Porque? Porque ele vai regular o processo, ele vai escolher como fazer isso. Se você não fizer isso rapidamente, você não vai ter mercado futuro. Essa é uma questão que precisa ser resolvida agora. . 

A sociedade demanda um conjunto de valores. Nos estamos vendo aqui uma discussão, um exercício de cidadania. A mídia é pródiga em confundir segurança e violência. Acho que a mídia e o jornalismo tem uma função importante, tem feito um trabalho importante, mas ainda acho que somos, na maioria das vezes, repetidores dos poderes mais organizados que ocupam os espaços com uma competência maior, com uma assessoria de imprensa mais eficaz, mais rápida. Eu tenho muita honra e orgulho de trabalhar num projeto como este, que está acontecendo na TV Record, uma discussão profunda de prática e de resultados. Quando você pega um produto como o Cidade Alerta, que tinha até dois anos e meio atrás, um volume de violência explícita, com sangue, com corpos, com um tipo de violência muito pesada, e transforma isso começando a trabalhar com outro tipo de informação, ainda sendo um jornal de linha popular com uma linguagem  muito forte nesse aspecto mas hoje não tem [violência explícita], e a audiência melhora, justamente na contra-mão dos que diziam que tinha de fazer uma coisa mais forte, mais apelativa, significa que a sociedade quer coisa melhor. Acho que é muito importante fazer uma reflexão e criar mecanismos de comunicação, mesmo que seja uma folha pequena para circular na rua, no bairro. A aldeia global remete sempre para uma tribo, e você tem de pensar num universo pequeno, nesta tribo, nesta pequena comunidade que tem papel transformador muito importante. E eu não consigo perceber que a gente consiga sair da situação que está, desta pressão, desta tensão, deste medo se não for com pequenas ações comunitárias. Podemos interagir universalmente, globalmente, pela Internet, mas vamos agir, atuar tribalmente, e acho que a imprensa tem de ser mais cobrada, acho que falta espaço para carta do leitor na televisão, acho que falta chegar mais cobrança lá, acho que falta mais ação da comunidade, da sociedade, porque nós somos uma concessão pública; nós somos de vocês.

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