Televisão
por Elmo Francfort Ankerkrone
Novembro 16, 2001
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As Garotas Propaganda

Foram semanas e semanas falando sobre programas e programação das emissoras...Mas será que não esquecemos de algo, pessoal? Sim! Como deixar de lado os intervalos comerciais? Os leitores publicitários agora não terão mais causa para se queixar... E para começar a falar deste assunto nada melhor do que lembrar das garotas propaganda. E assim terminar direito a explicação do que foram os anos 50 e 60 em nossa televisão. Fiquem atentos a esta coluna, porque esse assunto "não é mesmo uma tentação?"

As belas propagandistas

É bom citarmos de onde elas surgiram. Antes mesmo do Brasil possuí-las, a idéia já existia nos Estados Unidos. Muitas se tornaram atrizes depois, o que também aconteceu no Brasil. Mas a diferença é que em nosso país, além de garotas propaganda se tornarem atrizes, tiveram casos de atrizes que serviram de garota propaganda. Um exemplo deste último tipo é o caso de Vida Alves, a mulher que deu o primeiro beijo na boca na TV brasileira e que hoje é presidente-fundadora da Pró-TV (Associação dos Pioneiros). Mas vamos voltar à história das garotas propaganda.

Quem teve a idéia de introduzir as "garotas" na televisão foi a pioneira emissora TV Tupi, canal 3 de São Paulo. Depois que a televisão começou a se popularizar (entende-se "TV vista por telespectadores com televisor próprio e televizinhos") ninguém mais suportava esperar os demorados slides entre um programa e outro, que as vezes demoravam demais por causa de troca de cenário e por problemas técnicos. O jeito foi fazer uma forma mista de comerciais: slides e garotas propaganda. E era mais fácil atrair as donas de casa para os produtos dos comerciais das emissoras se não fossem apenas imagens ou citações dos mesmos, mas mostrando seus funcionamentos. E é claro que para isso alguém seria "escalado" para apresentá-los. É nessa hora que preferiram a idéia de uma dona de casa falando com outra. Assim surgem as garotas propaganda em nossa televisão.

Mas é bom dizer que elas não surgiram por acaso, nem os slides. As emissoras precisavam sobreviver e não bastava só o patrocínio dos programas - sendo que alguns destes até davam nome ao programa (Repórter Esso, Mappin Movietone, etc.) -, assim criaram o intervalo comercial para manterem vivas suas emissoras, que literalmente hoje são chamadas de "emissoras comerciais".

E falando das primeiras garotas, a que inaugurou o estilo foi Rosa Maria, da TV Tupi em 1951. A idéia de trazer mulheres bonitas para apresentar os comerciais era já pensando na fascinação crescente que a televisão poderia ter e que no rádio já existia. Na época os garotos já cobiçavam as garotas propaganda, enquanto as moças queriam ficar parecidas com estas para fazerem "sucesso" entre os rapazes. Talvez tenho sido as garotas propaganda as primeiras a dar a televisão o caráter fascinante e conceito de "estrelas" para os profissionais do meio. As brigas pelo estrelato das rainhas do rádio agora era substituído pela concorrência entre as garotas propagandas, que tornaram-se matérias freqüentes das primeiras revistas televisivas.

Sobre Rosa Maria, pegamos uma citação da escritora Maria Elisa Vercesi de Albuquerque, de seu texto "Garotas Propaganda", do "Centro Cultural São Paulo", que fala sobre o início do gênero:

"A primeira experiência foi em 1951, com Rosa Maria, uma jovem morena, muito graciosa, que entrou no ar às 8 horas da noite para apresentação de uma oferta de Marcel Modas, loja de artigos femininos."

E a famosa frase: "Não é mesmo uma tentação?" era falada por Rosa Maria, que apresentava a cada dia um único patrocinador, sendo que todas as vezes que ela aparecia, o quadro era chamado de "Tentação do Dia".

Na Tupi do Rio de Janeiro, canal 6, a primeira garota propaganda foi Neide Aparecida, que ficou famosa ao estalar aos dedos depois de falar "Toneluuuxx...", a marca de lavadeira que patrocinava a Tupi na época.

Cantinho da Cidade

Voltando a falar de São Paulo, a Tupi enfrentava um grande problema: a "Cidade do Rádio" (Os estúdios do Sumaré) não estavam acostumados com as novidades da recém-nascida televisão. As garotas propaganda mal tinha espaço para gravarem seus quadros. Assim, no canto do estúdio principal da TV Tupi - o maior (bem no centro do terreno da Rua Piracicaba) - gravavam os quadros enquanto no resto do estúdio já arrumavam tudo para a próxima atração. Imaginem os produtores terem que tomar cuidado para não fazer barulho na propaganda enquanto arrumavam o estúdio... Por isto que devemos cada vez mais honrar o esforço e a dedicação dos profissionais da pioneira do Brasil.

Chateaubriand vendo suas emissoras de televisão crescerem começou a pensar no que poderia melhorar, já que agora elas estavam gerando lucro com seus patrocinadores. Assim poderia investir na melhoria de suas instalações. Enquanto a TV Tupi e a "Cidade do Rádio" de São Paulo estavam sendo melhoradas, a Tupi do Rio de Janeiro já começava a mudar de instalações - passando dos estúdios da Rua Venezuela para o Cassino da Urca.

E nestas mudanças, a "Cidade do Rádio" não comportava só mais estúdios para televisão, como também um estúdio só para os comerciais das garotas propaganda, que ficava no início do corredor da Tupi, em direção da Avenida Professor Alfonso Bovero (portaria dos empregados, n.º 72) - à esquerda do "Bar do Índio" e quase defronte a entrada do palco da Rádio Tupi.

Além desta mudança, a Tupi agora não pensava em ter apenas uma garota propaganda... E foi assim que brotaram outras garotas propaganda como as irmãs Irenita, Irinéia e Irinete (que também eram atrizes), Cleide Blota, Marli Bueno (que quase foi Miss Brasil), Marta Rocha (essa quase "Miss Universo", que fazia os comerciais da Gessy), entre outras.

Fase de ouro

Em 1954 a competição entre os canais já estava travada. A TV Tupi já fazia escola, a TV Paulista já estava há três anos no ar e a Record já havia completado um ano. É nessa fase que com a luta pela concorrência fizeram surgir grandes nomes da publicidade brasileira. Idalina de Oliveira era sinônimo de "canal 7", por tão bem representar a dona de casa nos intervalos da Record. Meire Nogueira pela TV Paulista também se destaca, depois passando por diversos canais de São Paulo e de outros Estados (falaremos mais sobre ela mais para baixo). Clarisse Amaral também aparecia neste contexto. É a partir desta fase que se torna fértil a produção de gafes devido os improvisos nos comerciais na TV ao vivo. Ainda mais porque um erro era fatal por causa dos patrocinadores. Existiram casos de garotas propaganda que foram demitidas porque erraram o patrocinador ou até mesmo a utilidade do produto anunciado. Era mais grave do que um erro em outro programa. Por isto que muitos patrocinadores preferiam investir em vinhetas gravadas em película de cinema ou desenhos e animações que não trariam problemas com tanta freqüência como nos improvisos das garotas.

E o esquema de pequenos "sets" dentro do estúdios de comerciais era adotado nesta época, possibilitando várias apresentadoras se revesarem em um mesmo intervalo comercial, permitindo que o telespectador visse não só um produto, mas vários. E além disso os cenários iam sendo melhorados. Até mesmo jogos e sorteios (favorecendo os telespectadores que consumiam os produtos anunciados) começaram a fazer parte dos intervalos comerciais das garotas propaganda. Quanto mais se parecesse com a casa dos telespectadores melhor.

O que sufocou o sucesso das garotas propaganda, que durou até 1963 no eixo Rio-São Paulo, foi a modernização do meio televisivo e o fim da TV ao vivo. O videotape e a ascensão da fama das atrizes e atores das telenovelas diárias mudaram não só em termos de profissionalismo a TV. A Rede Excelsior nesse sentido foi uma das grandes culpadas pelo fim do reinado de sucesso das garotas propaganda. E foi assim que muitas resolveram mudar dentro da profissão. A TV Cultura tinha Xênia Bier (que aliás, nasceu e viveu por muito tempo no Itaim Bibi) e que depois virou apresentadora, Clarisse Amaral seguiu o mesmo caminho, onde na TV Gazeta estreou seu programa de entrevistas chamado "Programa Clarisse Amaral", depois tornou-se "Clarisse Amaral em Desfile", que acabou deixando este de herança à responsável pelos quadros de moda do Mappin em seu programa Ione Borges, que criou na década de 80 o "Mulheres em Desfile", ao lado de Claudete Troiano. O programa "Mulheres" enfocarei logo em outra coluna. Marli Bueno seguiu a carreira de atriz das novelas da Tupi. Mas muitas sumiram do mapa...

As futuras garotas propagandas dentro dos comerciais agora estariam inseridas dentro de histórias. Dois exemplos que podemos dar é o de Regina Duarte, a garota propagandas das historinhas da Kolynos e as atuais garotas propaganda das cervejas. Não esquecendo dos garotos propaganda que também surgiram neste meio tempo: o mais famoso, Carlinhos Moreno (o "garoto Bombril") e o Julinho das Pernambucanas, por exemplo.

Momentos familiares

Meu tio Luiz Francfort, como já falei na coluna "Eu quero trabalhar na TV!", entrou para a TV Tupi graças a audácia de outro profissional que resolveu "tocar" em uma garota propaganda da emissora e foi demitido. É o que disse nesta coluna sobre a fascinação que as garotas propaganda provocavam nos rapazes da época por causa de suas belezas.

Agora correndo um pouco na história familiar dentro da TV, vamos para a TV Paranaense (canal 12 de Curitiba), onde já falamos na coluna homônima que a garota propaganda Meire Nogueira tinha ido para aquela emissora fazer o mesmo trabalho e até mesmo teleteatros. Depois de Luiz e sua irmã Alzira, minha mãe, voltarem da TV Paranaense - que tinham ajudado a fundar -, certa vez o amigo Renato Mazanek veio a São Paulo com a Meire Nogueira e foram no apartamento dos dois irmãos na Rua Augusta (numa época onde a rua era o principal "point" de São Paulo, onde a juventude se encontravam para se divertir e conversar). E Meire Nogueira mostrava que mesmo sendo uma estrela, não hesitava em ser simples e brincalhona, assumindo uma postura nada antipática, como para muitos as garotas propaganda eram.

E naqueles dias, os dois irmãos, a garota propaganda e o Mazanek foram passear pela cidade. Os quatro, no carro do meu tio, que era conversível, ficaram expostos aos olhares de quem passava na rua. Meire ainda subiu sobre a parte de cima do banco traseiro, onde se recolhia a capota do carro e ficou mais visível aos pedestres. Todos olhavam atenciosos para Meire Nogueira e ela brincalhona falava:

"- Oi! Olha, eu sou aquela mesma da TV! Lembra de mim? Lembra?"

E de forma divertida mexeu com quem passava na rua. Se teve algum jovem na rua, com certeza este ficou feliz de uma garota propaganda ter falado com ele. É mais uma prova da fascinação que meio televisivo exerce nas pessoas, por mais que os dois lados, do telespectador e do ator / radialista, possam ser simples.

E assim encerro a minha coluna, fechando de vez o nosso olhar sob as décadas de 50 e 60. Agora é hora de embarcar em mais uma viagem pela história da televisão, cada vez mais próxima dos dias atuais...

TV Leitor

- Alguém sabe dizer onde foi parar a Meire Nogueira? É mais uma profissional da televisão que não poderia estar encostada. Infelizmente tem muita gente boa na geladeira televisiva. É triste saber que muitos dos pioneiros da televisão estão parados, porque mesmo sabendo que a TV sempre se renova, a ajuda dos mesmos seria muito importante, pois entendem do funcionamento deste meio. Como ele surgiu, como ele evoluiu e quem sabe não possam nos ajudar a encontrar os melhores caminhos para a TV do futuro, a digital, onde mudarão os conceitos não só de transmissão, como de produção e captação de imagens.

- Agradecimentos ao leitor Antonio Machado, que escreveu "Desejo parabenizá-lo por termos em nossas mãos fatos históricos tão importantes para esta, ou...quem sabe tantas outras geracões! Bravo!!!.". Eu é que agradeço pelos elogios e espero sempre corresponder meus leitores com o máximo de informação possível, tentando fazer com que eu e vocês façam uma análise bem apurada, se é que consigo, sobre a história da televisão brasileira.

- Meus parabéns à amiga e leitora Amanda Vieira Gonçalves, por ter passado em seu projeto experimental após ser analisada pela banca da Faculdade Cásper Líbero.

Vou ficando por aqui. Até o próximo intervalo comercial. E não esqueçam, usem "sabão Rinso, porque lava mais branco. Tenha a brancura Rinso!"

Imagens

- Idalina de Oliveira, garota propaganda da TV Record. Arquivo Multimeios CCSP. Década de 50

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- Rosa Maria, primeira garota propaganda da TV Tupi e do meio televisivo brasileiro. Arquivo Multimeios CCSP. Década de 50.

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